Samba esquema novo

Um outro samba surge na Lapa que já foi de Noel. Seu maior expoente: Moyseis Marques

PUBLICIDADE

Foto do author Julio Maria
Por Julio Maria
Atualização:

Ex-aluno de Química, operador de fotocópias, atendente do McDonald's, animador em festas de criança, integrante da banda de Igreja Católica, frequentador de baile funk no Rio, moleque aparecido que só. A vida de Moyseis Marques, por anos, não dava sinais de que renderia capítulos para a biografia de um sambista. Os pais queriam um filho de vida fixa, emprego fixo, esposa fixa, filhos fixos, coisas assim.

PUBLICIDADE

Até que um violão caiu em seus braços e ali ficou, fixo. Saiu Legião Urbana, entrou Djavan primeiro, João Bosco depois. "Chico Buarque não, era muito difícil." Tocou em bares ao lado da Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e participou de grupos de forró até ir parar na Lapa, de mala, cuia e seis cordas. Morou ali pelos inícios dos anos 2000, quando nem ele nem o prefeito nem ninguém via muito futuro nas quebradas da Mem de Sá com Lavradio. Moyseis começou a se tornar o que arrisca ele mesmo chamar de novo sambista.

Seu disco de agora é o terceiro, com gíria de malandro das antigas no título: Pra Desengomar. Algo que equivale a "pra descomplicar". Encorajado pela repercussão dos dois primeiros, que já haviam ganhado destaque na imprensa carioca, o novo é 100% de sambas seus. Uma escalada que começou com cinco músicas próprias para oito regravações no disco de estreia, crescendo para oito versões e cinco próprias no segundo.

Quem o vê ao vivo ainda se impressiona mais. Os álbuns de Moyseis são bons, mas é no palco e com sua própria banda, como um Vasco jogando em São Januário, que ele ganha CPF e RG. Sua voz acomodada em registro macio não passa da conta e sua interação com o público é de veterano. A graça é sugerida, nunca escancarada. A sensação é de se estar diante de um nome que já ficou grande demais para a Lapa.

Álbum é outra história. Ali o samba corre certinho, engomado, quase vítima do dilema de qualquer sambista: soltar em estúdio um gênero livre por natureza. Seus sambas têm força, mesmo que nem sempre recebam na sala de gravação as entidades dos palcos. Sua pegada de novo sambista está nos arranjos e nas harmonias.

A música título, Pra Desengomar, tem solo de guitarra com pegada jazz e um acorde de nona aumentada, um dos acidentes de maior choque aos ouvidos. Bicho do Mato, de Moyseis com Edu Krieger (outro fera), com voz dividida com Leila Pinheiro, modula tons. E Xodó da Lamparina, um baião, dá o recado: Moyseis não quer ficar algemado à imagem do sambista clássico. Se quiser sair do samba, ele sai. E depois volta. Sua parceria já se dá no alto escalão, com Moacyr Luz, no samba Meu Canto É Pra Valer. E se ele fosse Emílio Santiago, sua Saigon seria Nomes de Favela (veja vídeo no YouTube), uma daquelas tulipas de Paulo César Pinheiro, lançada no primeiro disco, de 2007.

Sambista novo, diz Moyseis, não é Noel Rosa. Não precisa viver na orgia e voltar para a mulher cheirando a perfume barato. E não é o malandro que chega à roda sem ensaiar. Moyseis gosta de trabalhar as músicas com os instrumentistas, algo que, por si só, causa choque num mundo em que o valor maior parece estar com quem faz tudo na hora. Genial, mas limitado.

Publicidade

"No samba todo mundo é muito malandro, e eu estou cansado dessa história, sabe?" Sua figura também quebra um tipo sedimentado no ritmo. De brinco e notebook no colo, fala como um web bamba: "Sambista de hoje abre a melodia no e-mail, coloca a letra no editor de texto, grava no Garage Band e converte para MP3. Eu ouço as melodias de meus amigos correndo na praia de iPod. Não existe mais o sambista de sapato bicolor e chapéu Panamá."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.