PUBLICIDADE

Salvador vira morada de ambulantes quando trios silenciam

Por RAQUEL STENZEL
Atualização:

A música parou, e nas ruas de Salvador só se vêem resquícios de uma noite de muita alegria: grandes caixas de isopor ladeadas por homens, mulheres e crianças em sono profundo. São os vendedores ambulantes que durante os seis dias de folia fazem das ruas de Salvador seu lar. As latas de cerveja e refrigerante vazias, que durante a noite são disputadas avidamente pelos catadores, já foram vendidas. Não há filas nos banheiros químicos, e o odor forte de urina desapareceu. São 7h30 da manhã de segunda-feira e o silêncio reina onde há quatro horas ainda se podia ouvir o som dos trios elétricos e o burburinho incessante dos foliões. É o momento em que a cidade descansa para enfrentar mais um dia de festa. O ambulante José Roberto dos Santos Sena, 34 anos, já tomou banho, lavou a roupa e agora toma o seu café descansadamente, olhando para o mar. Ele chegou ao Farol da Barra -- ponto de partida dos trios elétricos no Circuito Dodô na orla marítima -- às 5h de quinta-feira, no primeiro dia da folia baiana. E pretende deixar o local somente na Quarta-feira de Cinzas, depois que passar o arrastão do compositor, cantor e percussionista Carlinhos Brown, que tradicionalmente encerra a festa. José Roberto pouco vê do Carnaval de Salvador, que reúne estimados 2 milhões de pessoas de todas as partes do Brasil e do mundo, atraídas pela diversidade musical do evento e a alegria contagiante. Salvador é o único lugar do mundo em que o folião pode requebrar ao som dos tambores do Olodum, dançar ao som eletrônico do DJ Tiesto e se emocionar com um dueto casual de Daniela Mercury e Gilberto Gil. "Não vale a pena voltar para a casa", sentencia José Roberto. O grande receio é perder o ponto na calçada onde depositou sua caixa de isopor. O conforto inexiste, mas ele não reclama. "Tenho tudo o que preciso." Uma fonte que brota das pedras nos muros que cercam a praia fornece a água doce. "A água é quentinha, o banho é bom." Na mesma fonte lava a rua roupa que não demora em secar sob o sol forte. Para o café da manhã escolhe entre as várias opções de mingau que são vendidos por 1 real por outros ambulantes. O escolhido desta segunda-feira foi o mungunzá, um mingau de milho branco e leite de coco servido em um copo plástico, com um pouco de canela por cima. José Roberto levantou mais cedo, mas não pelo desconforto de estar dormindo sobre um pedaço de papelão. É que perto da 1h da madrugada ele já tinha ficado sem bebida para vender. Seus concorrentes, no entanto, ainda dormiam. Em um dia, ele chega a vender 20 caixas de cerveja, além de outras tantas de refrigerante e água. Cada lata de cerveja é comprada por 1 real e vendida a 1,50 real. Mesmo descontando os 28 reais que paga por duas barras de gelo, em um dia consegue ganhar 200 reais. No restante do ano recebe salário mínimo (380 reais) como auxiliar de limpeza na construção. "Trabalhar no Carnaval é uma vantagem arretada", comemora. O dia avança, e o movimento nas ruas de Salvador aumenta. Pouco depois das 8h, o silêncio das ruas é quebrado pelo barulho dos motores a diesel dos trios elétricos que começam a se posicionar para a folia. Em breve, José Roberto iniciará mais uma maratona de trabalho.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.