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Salas de conversas no Clubhouse dão voz e espaço para as mulheres

Com temas como maternidade, problemas financeiros, feminismo, saúde mental e muito mais, usuárias se tornam protagonistas de discussões

Foto do author Ana Lourenço
Por Ana Lourenço
Atualização:
"Todo mundo é importante, todo mundo tem uma história”, conta a fotógrafa Luiza Tojer, criadora da sala 'Mulher, Vem Aqui Falar' Foto: Felipe Rau/Estadão

Voz embargada, voz com risada, voz interrompida por grito de criança, voz que grita, voz empoderada. A fala é um recurso muito poderoso dentre as habilidades humanas, e é a base do aplicativo que virou febre nas últimas semanas. No Clubhouse, usuários trocam ideias sobre temas variados em salas de áudio com diversos palestrantes e ouvintes. Para as mulheres, a plataforma é um local seguro para a troca de experiências e, principalmente, para a escuta.

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“É uma tentativa de curar nossas dores coletivamente e de ressignificar nossa fala para um lado positivo. E isso passa por relacionamento, negócio, sentimento, por tudo”, pontua a comunicadora Deh Bastos, criadora do clube Mulheres Pretas Falam, dentro da plataforma. Para ela, um dos segredos do aplicativo é a conversa sem filtro ou edições. “É vivo o que acontece ali, porque depende do outro.”

Lançado em março de 2020, o Clubhouse foi impulsionado pela quarentena, e hoje conta com 10 milhões de downloads, segundo a empresa de análise de dados Sensor Tower. “Todas as discussões que ocorrem lá são realmente um sinal de que as pessoas querem se conectar e se sentir normais de novo”, coloca a cientista comportamental Clarissa Silva. Ela explica que as mulheres foram mais atingidas pelos efeitos colaterais da pandemia – muitas tiveram de se dividir entre o home office e o cuidado dos filhos, enfrentar a sobrecarga psicológica e lidar com a falta de tempo –, o que fez da conversa (e da escuta) algo essencial.

“A gente vai criando uma comunidade e se sente segura”, conta a fotógrafa Luiza Tojer, criadora da sala Mulher, Vem Aqui Falar. Dentre as histórias compartilhadas, há de abusos a problemas financeiros, passando por maternidade, feminismo e insegurança. Todas essas, muitas vezes, feitas aos berros ou interrompidas por choros. “Não interessa quem é você, todo mundo é importante, todo mundo tem uma história”, diz Luiza.

Na sala Feministas Exaustas, realizada duas vezes por semana, cada participante inicia a fala dizendo seu nome seguido do motivo da exaustão. “Eu montei a sala sem grandes expectativas e hoje ela se tornou uma potência muito grande. Eu não imaginava que as pessoas poderiam abrir tanto o coração dessa maneira”, relata a criadora, Lais Trajano. “A gente tenta dar um abraço virtual nas pessoas, compartilhamos relatos, indicamos livros e tudo isso vai criando uma união, uma sororidade.”

De acordo com a psicóloga Giovana Bergamo, a abertura, para as mulheres, é mais fácil do que para os homens. “Eles têm uma insegurança de falar da insegurança deles. Já as mulheres têm essa tendência de falar, de se abrir”, conta. Outro fator que facilita a abertura são os nichos criados dentro do app. “A gente entendeu que as salas proporcionam um espaço segmentado para as pessoas desse nicho se sentirem à vontade, mas não impedem outros de participarem”, ensina Deh Bastos.

Egnalda Côrtes, criadora da sala 'Mulher e Ambição' (esq. superior);Paula Reis, da sala 'Mulheres do Mercado';Ana Vieira, que faz discussões na sala 'Sou Cíclica' (esq. inferior) e Margie Mercado, fundadora do clube The CEO Home Foto: Arquivo pessoal

Trabalho. Apesar das salas terem temas e direcionamentos, a partir do momento que uma pessoa abre o microfone, qualquer realidade pode surgir. A trader Paula Reis vivencia vários casos assim em sua sala Mulheres no Mercado. “É inevitável entrarmos nos assuntos de saúde mental e síndrome de impostora, pela forma que a gente foi criada, no qual a mulher não foi estimulada a cuidar de assuntos mais democráticos, muito menos de dinheiro”, explica.

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Para Margie Mercado, criadora do clube The CEO Home, a mulher é algo muito amplo para ser dividido em somente uma sala ou função. “A vida, igual à mulher, é cíclica. Então a gente não pode esperar que tudo tenha um horário perfeito. É preciso entender quais são as prioridades, delegar e buscar estratégias que façam com que a vida seja mais fácil”, opina. 

Democracia. Apesar de ter tudo para ser uma rede democrática, o aplicativo Clubhouse ainda não é totalmente horizontal. Além da plataforma ser somente para iOS, todas as palavras escritas no aplicativo são em inglês e, como toda rede social, ela sofre com os perfis falsos.

“Existe um pessoal que quer falar de forma muito rasa e isso é errado porque passa a informação errada, sem o estudo. A plataforma é pra ter conversa, mas tem gente que não usa assim”, conta a empreendedora Geovana Quadros, criadora da sala Mulheres Inspiradoras.

O problema é que, dependendo da profundidade do assunto, isso pode ser somente um desabafo, e não uma solução. “As pessoas estão se sentindo sozinhas e, quando você está assim, você está vulnerável, e isso pode fazer com que você fale coisas para completos estranhos que você normalmente não falaria”, explica a médica Lola Adeyemi, especialista em medicina preventiva e criadora do Women Matter Club (Mulheres Importam Club). “As pessoas não percebem que o Clubhouse é um bom lugar para dar início à conversa, mas não para terminar”, resume. 

Interface do aplicativo durante a sala 'Feministas Exaustas' na última quarta-feira (5) Foto: Arquivo Pessoal

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Feminismo. Para a especialista em negócios Egnalda Côrtes, faz sentido estar na plataforma justamente para dar voz a outras mulheres. “Quando você coloca uma mulher no mesmo palco que uma pessoa que ela admira ou que já atingiu o que ela está tentando atingir, você gera equidade de possibilidades para que todas e qualquer uma se sinta tão poderosa quanto elas acreditam que aquelas que estão falando são”, diz. 

Além de empoderamento, empatia. Amelia Lin, que junto com sua amiga Nicole criou o clube The Mom’s Club (O Clube das Mães), conta que os temas mais pedidos para as salas são gravidez na pandemia e como lidar com as crianças em casa. “Muitas vezes tem choro de criança ao fundo de uma fala, não é aquilo superpolido das redes sociais, mas sim um lugar para a mãe simplesmente ser ela e ser compreendida”, diz.

DEPOIMENTOS

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Geovana Quadros, criadora da sala 'Mulheres Inspiradoras' (esq. superior); a maquiadora Magô Tonhon; Deh Bastos, fundadora da sala 'Mulheres Pretas Falam' (esq. inferior) e Amanda Palma que modera asala 'Pagarás de Louca e Conquistarás o Mundo' Foto: Arquivo pessoal

“A gente vive em uma sociedade onde pressupomos o gênero da pessoa por nome, por voz. E isso em geral, pode desencorajar mulheres trans e travestis a não interagir na plataforma. Me incomoda bastante essa questão do sujeito ‘mulher’, porque a gente polariza uma coisa que não precisa de ajuda para ser polarizada; temos muito mais pautas em comum do que pautas específicas”Magô Tonhon, maquiadora

“A gente vai transformar o mundo quando conseguirmos reverberar nossos talentos e as nossas possibilidades de fazer coisas para mais pessoas, quando outras pessoas se sentirem protagonistas de suas histórias; não se sentirem como objetos de estudo, mas como sujeito da ação. Que o Clubhouse não seja mais uma rede que você se sinta oprimido”Egnalda Côrtes, especilista em negócios

Em altaCultura
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“Todos nós temos uma voz. E o Clubhouse faz a gente exercer ela. Eu consigo ver um movimento feminino muito grande ali e acredito que esse espaço também está dando a oportunidade para os homens exercerem suas vulnerabilidades e dividirem suas fraquezas.”Ana Vieira, mentora de yoga e terapias somáticas e criadora da sala Sou Cíclica

“Quando alguém levanta a mão e vai fazer uma pergunta, automaticamente ela conta sua história, né? E as pessoas querem ser ouvidas. Então a gente vai se distanciando do assunto da sala e indo mais para os aspectos psicológicos relacionados ao dinheiro por conta disso. É a chance dela protagonizar algo na rede social, mesmo não sendo uma influenciadora”Paula Reis, trader

“Conforme eu fui usando, fui vendo que muita mulher não estava tendo o espaço para usar a voz, e eu estava ganhando esse espaço. Então decidi abrir o caminho. Quando eu fiz a primeira sala eu não esperava que isso ia virar um clube. Eu fiquei muito feliz. Eu vejo mulheres falando desde as dores às delícias de ser mulher, de mercado de trabalho… tem de tudo” Deh Bastos, comunicadora “Nós mulheres, em geral, somos mais sentimentais. E uma vez que entramos no tema sentimentos, para os homens pode passar a impressão de não sermos profissionais, porque eles não entendem. Não existe um lugar onde a mulher possa ser ela mesma. Mais do que um lugar onde a escutam, um onde ela tenha voz. Esses grupos servem para empatia, compreensão”Margie Mercado, administradora de empresas “Acho que cada vez mais as mulheres estão nessa fase de criar suas narrativas. Por isso eu defendo a questão da auto representação, onde eu, como mulher, posso colocar no mundo qual é a minha verdade e com isso quebrar vários paradigmas da comunicação em massa, que são feitas, majoritariamente, por homens”Amanda Palma, empreendedora e criadora da sala Pagarás de Louca e Conquistarás o Mundo

“É maravilhoso não só pela questão pessoal, porque a gente tem usado muito essa plataforma para networking, mas as pessoas têm se aberto muito, o que têm ajudado bastante no âmbito psicológico. Assuntos como 'eu não preciso me masculinizar para ser líder' são alguns dos debatidos"Fefa Moreira, empreendedora artística e criadora da sala Mulheres empreendedoras 

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