Salão de Paris destaca autores alemães

O Salão do Livro de Paris que abre hoje para o público destaca jovens escritores alemães pós-queda do Muro de Berlim. Mais bem humorados, menos austera ou comprometida com os ecos do passado

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Por Agencia Estado
Atualização:

A partir de hoje, com a abertura para o público da 21.ª edição do Salão do Livro de Paris, que tem a Alemanha como país convidado, os leitores franceses começaram a ter contato direto com toda uma geração de escritores alemães pós-queda do Muro de Berlim. Não que alguns dos autores alemães presentes não tenham sido já publicados na França; mas essa é a primeira vez que um evento do porte do salão, que atrai mais de 260 mil pessoas em cada edição, traz tantos escritores do país para discutir a literatura alemã nesses pouco menos de 12 anos que se passaram desde a destruição do muro que dividia sua principal cidade. O encontro em que o assunto vai ser debatido mais abertamente ocorre domingo: Onde Ficava o Muro... Na Literatura reúne Sibylle Berg, Wolfgang Hilbig, Michael Kumpfmüller, Inka Parei e Peter Schneider para discutir exatamente essa questão. Não se assuste se você não conhece alguns (ou nenhum) desses nomes. É que nem só do Prêmio Nobel Günter Grass vive a produção alemã contemporânea. Claro que Grass, seu bigode e seus livros são a principal atração do evento aberto oficialmente na quinta-feira, mas os outros 50 autores alemães presentes também ajudam a fazer a festa (co-organizada pela direção da Feira de Frankfurt), carregando o pesado fardo de escreverem na mesma língua que Goethe, Brecht e Thomas Mann (e ainda do checo Kafka, que também escrevia nessa língua). Peters, por exemplo, nasceu em 1966. Tinha, portanto, 23 anos quando os berlinenses puseram o Muro abaixo. Como cerca de metade dos escritores convidados a Paris, vive na capital alemã (que conheceu somente em 1998), na parte oriental - há três meses apenas. Em seu livro, que na França se chama Hanna Endormie (Hanna Dorme), não busca inspiração nesse passado recente: marcado pelo tom humorístico, o romance se passa no século 14, em torno de um especialista em iconografia. Um outro exemplo é o de Inka Parei, autora de La Boxeuse d´Ombres (A Boxeadora de Sombras). Ela também vive em Berlim, embora não seja de lá. Mas já habitava o lado ocidental da cidade quando o Muro caiu. Ao jornal Libération contou que pretendia deixar a cidade, "um tanto irreal", quando ocorreu o fato que mudaria a história mundial, com o início do colapso do império soviético. De um modo ou de outro, essa deve ser a principal questão que os alemães tentarão responder até quarta-feira, quando se encerra o Salão do Livro: "Como a queda mudou a vida e a literatura alemã?" (mesmo que ela não seja feita tão abertamente). O mais provável, é que não se encontre uma resposta, mas várias, certamente contraditórias. Um outro escritor alemão presente em Paris, Perikles Monioudis, autor de Glace (Gelo), afirma que "cada autor escreveu sobre esse tema depois de 1989". Não, necessariamente, de um modo direto. Na sua opinião, é Maio de 1968 que mobiliza os escritores do país. "Nós nos debruçamos cada vez mais sobre essa época", disse, em entrevista publicada no Le Jour du Livre. Segundo ele, "cada geração procura as referências decisivas de seu tempo; virar-se para a história recente, da qual as conseqüências ainda se fazem sentir sempre é uma forma de escapar da realidade cotidiana". Por trás do tema do Muro, esconde-se uma outra questão, que envolve não apenas Alemanha e França, mas os 15 países que compõem a União Européia: qual é o futuro do continente. Afinal, a Alemanha teve um papel central nas duas guerras mundiais e também na guerra fria que se seguiu após o vitória dos aliados, nesse momento não por vontade própria, mas pela divisão entre os países que venceram a disputa. Depois da guerra, Theodor Adorno afirmou que era impossível escrever após Auschwitz, e Heinrich Böll completou que era quase impossível produzir "mesmo meia página de prosa". Na opinião de Pierre Deshusses, que escreveu um longo artigo sobre a relação entre a história alemã e sua literatura no Le Monde, em maio de 1968, a geração que não participou do horror do holocausto, passa a recusar a culpa pelo fato. Essa geração se sentiria consternada, mas não implicada diretamente, para quem o fascismo alemão de Hitler foi um desdobramento do fascismo capitalista. Nos anos 50 e 60 é que nascem os escritores que formarão uma geração menos marcada pelo passado, menos comprometida com os ecos da história, capaz de tratar de temas como felicidade, amor, solidão. "Menos cinza, menos austera, menos experimental e mais feminina - muitos dos jovens talentos são mulheres (Katrin Askan, Karen Duve, Judith Hermann, Felicitas Hoppe, Elke Schmitter) --, a literatura alemã perde seu rótulo e se integra em uma movimentação bem maior lutando para afirmar sua singularidade que o tempo julgará", escreve Deshusses. Mais feliz, mais jovem, essa nova geração representa a primeira em que a Alemanha assume um papel decisivo na história européia sem estar em confronto direto contra nenhum de seus vizinhos ocidentais - pelo contrário, liderando-os do ponto de vista político e econômico. Talvez por isso ela possa ser assim. Os franceses, com tantos autores presentes e tantas traduções no mercado, vão ter a oportunidade de avaliar bem se isso é mesmo verdade - ou só revisionismo.

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