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Coluna do escritor e arquiteto Milton Hatoum sobre literatura e cidades

Sair das trevas, derrotar a barbárie

Não foi um péssimo sonho, e sim a noite mais longa e pavorosa desde o fim da ditadura civil-militar

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Por Milton Hatoum
Atualização:

Os últimos meses do ansiado 2022 serão ainda mais trágicos? Não sabemos se os manifestantes antidemocráticos do dia 7 de setembro vão sair às ruas com uma arma nas mãos e uma ideia criminosa na cabeça; tampouco sabemos como vão se comportar as instituições, principalmente as Forças Armadas, que, numa democracia, têm o dever constitucional de garantir a posse do próximo presidente. 

A Esplanada dos Ministérios, em Brasília Foto: Dida Sampaio/Estadão

Jair Messias Bolsonaro atribuiu sua fala golpista no Dia da Pátria ao “calor do momento”. Esse calor causa calafrios e não é nada momentâneo, pois os discursos autoritários de Jair datam de seus verdes anos. Será que algum dia essas falas infames terão fim? Ou o “calor do momento” seria uma tradução muito livre, quase metafórica da frase latina memento mori? Um lembrete: não me refiro à morte física, e sim à morte política do chefe e de seus filhos, igualmente antidemocráticos e fãs ardorosos de fake news.  Suposições à parte, tudo indica que falta pouco mais de um ano para o fim do pesadelo. Não foi um péssimo sonho, e sim a noite mais longa e pavorosa desde o fim da ditadura civil-militar, fonte inspiradora do atual governo, capitaneado por um sujeito totalmente desqualificado para qualquer cargo, e não apenas público.  Oxalá o tempo – essa abstração ingovernável – avance como um louco, dando longas e rápidas passadas a fim de alcançar logo o 2 de outubro de 2022. Mas o anseio por um tempo veloz, contrário a seu ritmo próprio, não impede que o STF e o Poder Legislativo ajam com rigor para conter não apenas a enxurrada de políticas públicas destrutivas, mas também o fluxo ininterrupto de ilícitos, arbítrios, falácias, provocações, ameaças e imprecações brutas deste governo e seus seguidores extremistas. Já estamos vivendo em pleno caos, e a distância entre o caos e a anomia é mínima.  Terão sido quatro anos de angústia, desemprego, miséria e luto para milhões de brasileiros. Governos anteriores acertaram em algumas áreas, erraram feio em outras, foram razoáveis aqui e ali; mas este foi desastroso, para não dizer destruidor, em todas. E, vale lembrar, com a cumplicidade de muitos deputados federais e senadores, chefiados pelos presidentes da Câmara e do Senado. Parece que este último, dotado de uma frieza intensa e de uma tibieza estranha, alimenta o sonho de ser presidente do País. Por enquanto, ele e Lira são cúmplices deste Brasil caótico.  Aliás, a lista de cúmplices – diretos e amoitados – só caberia num imenso volume, intitulado Os Comparsas do Opróbrio. Não seria um livro de ficção. Pelo menos, não agora, neste clima melancólico de luto e angústia. E ficção convém ser escrita quando o presente – o tempo das tragédias e de seus traumas – já se distanciou. Que primavera nos espera? Ou: o que esperamos quando ela chegar? Apagões? Carestia e desemprego crescentes? Mais incêndios e tristeza neste luto prolongado? Primavera será prenúncio de um verão sufocante?  Em 2018, milhões de brasileiros já sabiam – e agora outros milhões sabem – como e por que entramos nesta escuridão. Resta-nos saber como encontrar as sendas e a sabedoria para sairmos das trevas.  Sair das trevas significa derrotar a ignorância e a barbárie. Se isso não acontecer, vale perguntar, parafraseando o grande poeta: nossos olhos vão reaprender a chorar um segundo dilúvio?  É ESCRITOR E ARQUITETO, AUTOR DE ‘DOIS IRMÃOS’ E ‘CINZAS DO NORTE’

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