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Sai livro de MV Bill e produtor Celso Athayde

Em Falcão - Meninos do Tráfico, eles detalham a perigosa rotina de garotos que se arriscam no varejo de drogas no Brasil

Por Agencia Estado
Atualização:

Com uma câmara na mão e a coragem para enfrentar o inesperado, o rapper MV Bill e seu produtor, Celso Athayde, visitaram, nos últimos sete anos, os pontos mais barra-pesada do tráfico de drogas do País, a fim de montar um documentário. O conteúdo das 217 horas filmadas, porém, era tão explosivo que a dupla decidiu relatar os bastidores da produção em um livro, Falcão - Meninos do Tráfico (264 páginas, R$ 33,90), que a editora Objetiva envia hoje para as livrarias e a que o Estado teve acesso com exclusividade. Trata-se de dinamite pura. MV Bill é o rapper mais famoso do Brasil e o mais importante política e ideologicamente. Athayde tornou-se o mais importante produtor nacional de hip hop. O primeiro nasceu e foi criado na Cidade de Deus, onde vive até hoje, e o segundo cresceu na Favela do Sapo, em Senador Camará, ambos no Rio de Janeiro. Juntos, conviveram com uma realidade com leis próprias, em que a sobrevivência tornou-se uma dádiva: o universo dos meninos que trabalham no tráfico de drogas. Decidiram registrar esse cotidiano, a fim de revelar o lado humano desses jovens. O resultado, o documentário Falcão - Meninos do Tráfico, estava previsto para ser exibido ontem à noite, pela Globo, durante o Fantástico. "Aquilo é apenas uma amostra de 58 minutos, pois preparamos um longa-metragem, com 1h30 de duração, que vai estrear no dia 12 de outubro", conta MV Bill ao Estado, que lança ainda, em maio, um CD com músicas inspiradas pelos cenários que descobriram durante o processo de filmagem. "Aí teremos cenas ainda inéditas." O filme, que vai manter o título, ainda está cercado de mistério. Por conta da crueza das imagens, comenta-se que a edição será feita no exterior, possivelmente na Argentina - é que nenhuma produtora se arriscaria a participar de um projeto em que a realidade estoura na tela. Lendária ou não, a história reforça apenas o impacto da produção. MV Bill e Athayde iniciaram o projeto em 1998, a partir da figura do Falcão, nome dado aos garotos que se arriscam e movimentam o varejo de drogas pelo Brasil afora. De todo o material, separaram as entrevistas com 17 jovens que apresentaram as melhores histórias. Praticamente todas com final trágico: apenas um ainda está vivo. "Colecionamos histórias de Falcões que eram caçados de dia pela polícia e caçavam policiais em blitz à noite para vingar a morte de seus comparsas", observa, no livro, Athayde que, ao lado do rapper, participa ativamente da Central Única das Favelas (Cufa), entidade que busca estimular o resgate da auto-estima de parte dessas pessoas. "Os oprimidos, em geral, são os pretos e os pobres que historicamente sempre cumpriram bem o papel de se matarem para atender à sede de sangue do poder." O desabafo ilustra o texto em que Athayde acompanha o enterro de um Falcão e também de um soldado da PM. "Naquele momento, eu via que as lágrimas que caíam não eram dos governos que as mães acusavam de serem os responsáveis pelas mortes de seus filhos. Eram das mães, pobres, pretas, que podiam ser perfeitamente irmãs de sangue e, naquele momento, eram irmãs de dor, irmãs de sangue derramado pela arma da ignorância." A revolta é justificada pelos demais relatos que pontuam o livro. MV Bill e Athayde conviveram com situações que fariam Cidade de Deus, romance de Paulo Lins transformado em filme por Fernando Meirelles, parecer ficção infanto-juvenil. Logo na primeira história, a dupla se depara com um grupo no Ceará que, além do tráfico de drogas, também fazia seqüestros. Na seguinte, o rapper mostra como a garotada de um morro do Rio se diverte, brincando de boca de fumo. "Eu tinha a impressão de que aquelas crianças, com aquelas brincadeiras, acabariam aumentando as estatísticas do crime, por mais que algum psicólogo discordasse." Mesmo convivendo rotineiramente com essas histórias, a dupla ainda era capaz de se surpreender. Em uma viagem a cidades do Centro-Oeste, eles se assustaram com o grande consumo da merla, substância semelhante ao crack, feita de pasta-base de cocaína. "Era difícil identificar quem comprava e quem vendia a droga", conta MV Bill que, com o trabalho, espera alertar sobre a juventude que vive em situação de risco. "Os jovens que têm hoje em média 15 anos de idade daqui a muito pouco tempo serão adultos e, fatalmente, vão se juntar aos presos que hoje lotam as penitenciárias. Assim, a única coisa que nos importa é que a luta tem de continuar."

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