Sacode a poeira, Mr. Anderson

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Por Jotabê Medeiros
Atualização:

Raras vozes comparam-se à do cantor britânico Jon Anderson, cujos vocais estiveram durante 35 anos a serviço da banda de rock progressivo Yes (e numa célebre parceria com o grego Vangelis). Tão rara e tão delicada que, quando foi detectada com problemas médicos, a voz foi condenada pelos ex-colegas do Yes, que o demitiram.Mas, seis cirurgias depois e um ano de tratamento, Jon Roy Anderson voltou com seu instrumento de trabalho intacto (há quem ache que ele cante em falsetto, mas seu registro é natural, um pouco acima do de tenor). Há 5 anos, Anderson iniciou um disco colaborativo, Survival & Other Stories, e voltou a correr o mundo sozinho. Volta no dia 13 a São Paulo para show de natureza acústica no Citibank Hall, uma espécie de recital progressivo. "Somos apenas eu e meu violão", anunciou, em entrevista ao Estado.O sr. lembra da sua última vez no Brasil?Sempre que vou ao Brasil, é maravilhoso, é uma excitação. Há grande música no Brasil e em São Paulo.O sr. tem um novo disco. Quantas músicas dele vai tocar aqui?Eu toco duas canções. E é claro que toco músicas dos anos 1970, 1980, 1990. É uma longa história, sabe?O sr. fez esse álbum como um projeto meio socialista, em colaboração com seus fãs. O sr. acredita que essa pode ser uma experiência contínua?Sim. Há muitas pessoas talentosas no mundo, e a internet ajuda a aproximá-las. Então, é como uma corrente infinita de energia musical, é maravilhoso. Seria como uma ponte? Quero dizer, um homem como o sr., com tanta experiência na música... Como faz para funcionar com gente que não tem experiência alguma?Bem, eu só peço a eles que me mandem música. Então, eu ouço a música deles e, se gosto, se é excitante para mim, eu canto sobre essa música e envio para eles de volta, e eles me mandam de novo, até que fique pronto. Hoje, estou em contato com Alessandro, da Itália. Ele compôs uma sinfonia moderna, e gostaria que eu cantasse nela. Eu disse: OK, mas espere eu terminar minha turnê, acabo em janeiro. Há tantas ideias. Eu me sinto saudável, feliz, bem disposto. E estou louco para chegar aí e cantar no Brasil, em Florianópolis, São Paulo, Porto Alegre.É como se fosse uma jam session das antigas, como os jazzistas faziam.Sim, sim. Veja você que eu estava na Inglaterra, três anos atrás, numa cidadezinha chamada Southend, e ouvi um cara tocando uma canção do Jimi Hendrix na rua. Ele tocava como Jimi Hendrix. Tinha 19 anos. Eu perguntei: De onde você é? Ele disse: "São Paulo, Brasil". Eu disse: Aqui está meu e-mail, por favor me mande alguma música sua. Ele mandou, e nós fizemos música juntos. É assim que a gente conhece as pessoas. Você nunca sabe onde e como vai conhecê-las. A música que tocamos não está no disco, é para o futuro. Eu ainda não tenho canções suficientes para o novo disco. Quando as tiver, farei algo. Não faço música para ganhar música, mas para a criação.Lembra o nome do garoto?Oh, Gosh! Não estou lembrando. Sei que o pai dele é advogado, e o pai dele não gosta que ele faça música. O sr. esteve no Yes durante 35 anos. E eles acabam de lançar um novo disco, Fly from Here, com Chris Squire, Steve Howe, Alan White, Geoff Downes e o novo cantor Benoit David. O sr. ouviu o disco? O que achou? Só ouvi uma canção. É OK. Se você quer saber quais são meus pensamentos musicais nesse momento, vá até o computador e faça o download de minha nova música, Open, no Itunes. Eu lancei três semanas atrás, quando festejei meu aniversário de 67 anos. Se você ouvir Open - não é caro, 20 minutos de música -, essa vai dar a você uma ideia do meu pensamento musical hoje.É muito diferente do seu tempo musical no Yes?Não. É muito parecido com o Yes, porque eu sempre estive na banda como cantor, compositor e diretor musical. É a música do Yes que ainda permanece na minha cabeça.O sr. trabalhou com Milton Nascimento no passado. Ainda mantém contato com ele?Meu cantor favorito, Milton. É o homem perfeito cantando. Eu o vi da última vez quatro ou cinco anos atrás. Sempre procurarei vê-lo. Acho que a voz dele é uma bênção. Todas as vozes são uma bênção de Deus. Há tantos cantores fantásticos no mundo, e eu me sinto privilegiado por minha voz ainda ter potência e eu ainda ter grande prazer em cantar para o público.Foi justamente quando sua voz falhou que seus colegas do Yes o deixaram para trás e seguiram sem o sr. O que os médicos disseram de sua saúde naquele momento?Eu tinha um ouvido muito doente. Todo mundo fica doente em algum ponto da vida. Eu tive de parar por 5 meses para fazer uma operação no estômago, um bloqueio no pâncreas. Operei também minha garganta seis vezes. Fiz o que tinha de fazer e levou seis meses para eu poder cantar de novo. Não começou da mesma forma que antes, mas foi ficando mais forte, e mais forte ao longo dos meses. É normal. O grupo decidiu que iria prosseguir sem mim, e eu fiquei muito decepcionado. Mas logo superei isso e disse: bom, vou começar uma carreira solo e fazer música da melhor forma que puder.O sr. diria que sua voz está 100% agora?1.000% (risos). Você vai ouvir Open e vai poder me dizer pessoalmente.O sr. sabe que o rock progressivo, nos anos 60 e 70, foi uma força massiva no rock'n'roll. Muitas pessoas acreditam que o punk rock veio como uma oposição ao prog-rock.É claro. E também porque era um bom negócio. As companhias de discos não se importam com o que os músicos fazem, importam-se se isso vai lhes trazer dinheiro. Muita gente jovem fazendo uma revolução, e ainda assim podia trazer dinheiro... Eu adoro revoluções: emocionais, musicais, sentimentais. Em um ritmo progressivo, tudo é bom. O sr. ainda acredita no rock progressivo?É tudo música progressiva. As bandas mais recentes, como o Radiohead, que tentam fazer algo diferente, são aventurosas e portanto progressivas. Música é como uma aventura, minha progressão ainda não terminou.

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