Sabedoria a serviço da ação

O Tao da Libertação, de Leonardo Boff e Mark Hathaway, reflete sobre o viver harmônico

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Por WASHINGTON NOVAES É JORNALISTA
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O TAO DA LIBERTAÇÃOAutores: Leonardo Boff e Mark HathawayEditora: Vozes(592 págs., R$ 80)WASHINGTON NOVAESLeonardo Boff é um erudito. Filósofo, teólogo, autor de dezenas de livros, poucas pessoas, como ele, terão mergulhado tão fundo, com tanta pertinácia, na busca do conhecimento - e do conhecimento da origem, da evolução, do sentido da vida. Tudo isso está presente no livro lançado este ano - O Tao da Libertação (Editora Vozes) -, no qual, em parceria com Mark Hathaway (educador, pesquisador, "ativista ecumênico da ecojustiça", como é descrito na obra), traça, em mais de 400 páginas, um roteiro para essa busca. É de perder o fôlego, na medida em que cada página, cada parágrafo, cada frase, é perquiridora, fértil. Coincidência ou não, o livro é lançado aqui no momento em que uma das mais respeitadas publicações na área da ciência, a revista New Scientist (17/3), em sua matéria de capa, coloca o tema "A questão de Deus - a surpreendente nova ciência da religião", em que examina o tema "Por que a religião pode sobreviver (ultrapassar) a ciência". E no momento em que um documento assinado por 20 dos mais respeitados cientistas - todos ganhadores do Blue Planet, prêmio alternativo ao Nobel do Meio Ambiente - evidenciam como os nossos modos de viver ameaçam o futuro do planeta e da espécie humana. A origem e a evolução do universo, o aparecimento da espécie humana, seus descaminhos e as possibilidades de um reencontro com O Tao da Libertação (a procura pela sabedoria) são exatamente o tema desse livro instigante de Boff/Hathaway. Que, ao examinar uma questão central - por que o processo evolutivo criou o ser humano e os dramas que ele produz? -, responde de modo semelhante ao que dizia o saudoso psicanalista Hélio Pellegrino: para se ver.E por que o tao? O prólogo do livro responde com os versos: "Existia algo inteiro/antes do céu e da terra./ Silencioso e sem forma./Instável e independente./ Sempre em movimento,/ em círculo./ Chamemos-lhe a mãe do mundo./ Não sei seu nome./ Chamo-lhe Tao..." Boff e Hathaway complementam: "O Tao da Libertação é uma procura pela sabedoria necessária para implementar profundas transformações em nossas vidas." Ele pode ser entendido como "um princípio de ordem que regulamenta o cosmo; é ao mesmo tempo o modo de ser do universo e a estrutura fluídica cósmica que não pode ser propriamente descrita, mas apenas percebida (...) É a sabedoria central do universo, a sabedoria que abrange a essência de seu propósito e de sua direção (...) Transcende, de certa maneira, qualquer filosofia ou religião (...) É uma arte, não é uma ciência exata (...) É um mistério: nós não podemos fornecer a direção do caminho, não podemos detalhar um mapa preciso".Mas seguir nessa busca permitiria encontrar novas maneiras de viver, "nas quais as necessidades da humanidade sejam harmonicamente consistentes com as necessidades e o bem-estar de toda a comunidade de vida da Terra, e com o próprio cosmo (...) Usamos a palavra libertação para nos referirmos a esse processo de transformação".É também um livro de esperança, por entender que "o ciclo de desespero e destruição pode ser quebrado", desde que se admita que o primeiro passo seja "reconhecer que temos de mudar". Para isso, é preciso repensar uma visão cósmica do universo, de seus 15 bilhões de anos de existência. Saber que a existência da Terra, se condensados esses 15 bilhões de anos em um século, terá começado no ano 70; a vida nos oceanos no ano 73; depois, duas décadas de vida limitada a bactérias unicelulares, que mudaram o universo, a atmosfera, os oceanos, a geologia da Terra - e isso permitiu formas de vida mais complexas. Mas só no ano 93 vieram a reprodução sexual e a morte de organismos singulares. Dois anos depois, chegaram os primeiros organismos multicelulares. Mais um ano, o sistema nervoso. Outro ainda e os organismos vertebrados. Só no ano 98, depois dos dinossauros e das primeiras plantas floridas, chegaram os mamíferos. Há apenas 12 dias cósmicos "nossos ancestrais se tornaram bípedes" e há 6 dias começaram a usar ferramentas. Há apenas um dia cósmico o homo erectus "conquistou o fogo". E há 12 horas cósmicas surgiu o homo sapiens, os "humanos modernos". Nessa trajetória, os impactos mais fortes nos ecossistemas vêm ocorrendo há "apenas dois minutos", com o surgimento da civilização tecnológica. Mas a destruição acelerou-se nos últimos 12 segundos, na segunda metade do século 20.No entanto, dizem os autores, "tempos de crise podem ser tempos de criatividade", capazes de superar as imensas dificuldades. E a "ecologia da transformação" descreve os "processos de inter-relação que devem ser acionados para podermos restaurar a saúde da nossa casa comum, a Terra". A alternativa principal está nos biorregionalismos, capazes de "conceber uma sociedade baseada em pequenas comunidades locais ligadas por uma rede de relacionamentos fundados na igualdade, na compartilha e no equilíbrio ecológico, em lugar da exploração da natureza. Este modelo procura construir sociedades que são autossuficientes e autorreguladoras". E "Deus vem misturado com todos os processos (as etapas, caminhos e métodos estão descritos no livro), sem perder-se dentro deles: "Tudo não é Deus. As coisas são o que são, coisas. No entanto, Deus está nas coisas (...) Em cada mínima manifestação de ser, em cada movimento, em cada expressão de vida estamos às voltas com a presença e a ação de Deus. Abraçando o mundo, estamos abraçando Deus."Com toda a certeza, é um livro que vale a pena ler, seja o que for que se pense.

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