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Ruy Castro retoma história da bossa nova

Autor de Chega de Saudade lança hoje em São Paulo A Onda Que Se Ergueu no Mar, com novas interpretações sobre o movimento musical e sua época

Por Agencia Estado
Atualização:

Ruy Castro afirma: "Nunca abandonei a bossa nova." O jornalista, colaborador do Estado e autor de Chega de Saudade - A História e as Histórias da Bossa Nova volta ao seu assunto predileto com A Onda Que Se Ergueu no Mar (Companhia das Letras, 296 págs., R$ 31,50). Mas a verdade é que ele não abandonou os outros assuntos: além do novo livro sobre o movimento musical, lança a reedição da obra infanto-juvenil O Pai Que Era Mãe, uma ficção publicada originalmente em 1987 pela Brasiliense e que foi totalmente reescrita, e O Vermelho e o Negro - Pequena Grande História do Flamengo (DBA, 208 págs., R$ 37), em uma coleção sobre times de futebol. Sem contar a nova edição do Chega de Saudade, com a discografia atualizada, recheada dos discos do movimento que voltaram ao mercado desde 1990 na forma de CDs. "Não é a mesma história", afirma Castro, que lança seus livros hoje, na Veridiana Pizza, Vinho e Café (Rua Dona Veridiana, 661, tel. 3120-5050). "É um novo approach, novas interpretações." De fato, Chega de Saudade e A Onda Que Se Ergueu no Mar são livros bastante diferentes, embora tratem do mesmo assunto, seus títulos tenham saído de músicas que marcaram o movimento e suas capas, uma com Tom Jobim e outra com João Gilberto, construam um diálogo evidente. Se o primeiro pode ser comparado a um painel, o segundo é constituído de pequenos aprofundamentos, orientados por personagens do período da bossa nova, como Tom Jobim, Nara Leão, o mar, Brigitte Bardot e João Gilberto, e outros que os antecederam, como Orlando Silva. Segundo informa Castro ao fim de uma extensa bibliografia, vários textos de A Onda Que Se Ergueu no Mar nasceram de artigos publicados no Caderno 2 e em outras publicações. E os capítulos referentes a Orlando Silva e Brigitte Bardot usaram a íntegra de sua publicação original (Orlando, como livro de uma caixa de CDs do cantor, em 1995, e Brigitte, na revista Mitsubishi, neste ano), "mas também foram corrigidos e aumentados". Ou seja, não se trata exatamente de uma coletânea de artigos, mas de artigos reescritos, o que, na opinião de Castro, reconstituiu a unidade em torno dos temas tratados. Desse modo, o encontro do autor com Tom Jobim, para uma entrevista que acabou não sendo publicada, no dia da morte do estudante Edson Luís, no restaurante Calabouço, em 1968, acaba sendo uma bela introdução para o assédio dos jornalistas a Brigitte Bardot e seus banhos de mar em Búzios, às vésperas da chegada dos militares ao poder, em 1964 - e também à trágica relação de Orlando Silva com a heroína, na pré-história da bossa nova. Ruy Castro, o repórter e o autor, coloca-se claramente nas narrativas de A Onda. Assim como com Tom, ele vai conversar com Nara Leão, no verão de 1989, num momento marcante - a atriz enfrentava um tumor no cérebro e gravava um disco para o mercado japonês, pouco antes de sua morte, aos 47 anos. Castro já realizava entrevistas para o Chega de Saudade. O livro também tece considerações apropriadas sobre o desastre das traduções das letras de Tom Jobim para o inglês, que perderam sentido e métrica, além de fazer uma dura crítica ao descaso com a memória gráfica e musical da indústria do disco do Brasil. Mas nada ilustra melhor o "engajamento" de Castro que o último capítulo, João, que trata, evidentemente, de João Gilberto. Além de escrever sobre as eternas esquisitices do cantor - o autor de A Onda defende com ardor que a história do gato que se jogou da janela depois de passar horas trancado com João Gilberto tocando um único acorde não passa de lenda, mas o resto... -, Ruy Castro faz uma calorosa defesa do disco João, Voz e Violão, de 1999. "Mais de 40 anos depois, o Brasil ainda não fez jus à beleza proposta pela música de João Gilberto. E, em alguns setores, criou-se a seu respeito um inexplicável halo de suspeita e má vontade, que parece piorar com o tempo e não se aplica a outros artistas", escreve Castro. Para o jornalista, há coisas que só a João Gilberto não são permitidas. "Por exemplo: ele não pode pedir à platéia que o ouça em silêncio e com educação. Não pode exigir que os microfones estejam afinados com a delicadeza de sua música. E não pode gravar um disco maravilhoso como João, Voz e Violão." Castro não demonstra nenhuma falsa modéstia quando fala de Chega de Saudade. Diz que a história da história bossa nova pode ser dividida entre o período anterior à publicação de Chega de Saudade e todo um movimento de recuperação do estilo musical. Escreve isso no novo epílogo do livro, já parcialmente publicado na recente edição norte-americana, mas igualmente reescrito. "Desde 1990, a bossa nova tornou-se uma realidade de mercado", diz ele. Na sua opinião, fatores de mercado "quase sempre artificiais" haviam jogado a bossa nova no esquecimento. "Em 1986, conversei com Steve Ross, numa de suas vindas ao Brasil, e ele me disse: ´Vou surpreender o público brasileiro: vou cantar Se Todos Fossem Iguais a Você; tive de dizer que ele se decepcionaria", conta Castro. Para Ross, a bossa nova foi a melhor música do mundo nos anos 60. Mas haveria alguma relação entre bossa nova, Garrincha e Nelson Rodrigues, também biografados por Castro e, especialmente o último, "reabilitados"? (Quem imaginaria que no ano 2001 estaria sendo relançada, também pela Companhia das Letras, em coleção organizada por Castro, a novela Escravas do Amor, de Suzana Flag, pseudônimo de Rodrigues?) "Todas essas são histórias com um forte conteúdo humano, que tratam de artistas, Garrincha inclusive, que tiveram vidas excepcionais, e cuja criatividade esteve voltada para a beleza; além disso, há mais um ponto em comum: elas se passam, principalmente, no Rio e nos anos 50 e 60." Assim podem ser resumidas as bossas, novas e velhas, de Ruy Castro.

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