Rubens Gerchman revê seus 40 anos de carreira

O artista carioca apresenta hoje em São Paulo sua maior mostra individual, com 55 obras inéditas de um total de 86, entre pinturas, esculturas, instalações e objetos

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Por Agencia Estado
Atualização:

Terceiro Tempo, exposição que o artista plástico carioca Rubens Gerchman inaugura hoje em São Paulo, na Galeria Euroart-Castelli, poderia ser chamada simplesmente de "sua mais recente mostra individual na cidade", mas também poderia ser identificada como uma "mostra antológica" ou mesmo uma "retrospectiva de sua carreira". Essa variada nomenclatura, no entanto, não é originária de uma confusão curatorial, mas sim um reflexo da incessante produção do artista, iniciada ainda nos primórdios dos anos 60. "Pensei inicialmente em exibir umas 20 obras inéditas e algumas ´caixas de charuto´, mas as características gigantescas da galeria fizeram com que a mostra fosse complementada com obras que eu mantenho no ateliê", explicou o artista. "Trata-se de uma exposição inédita. Primeiro, porque são peças novas, algumas com materiais que eu nunca havia trabalhado. Segundo, porque esta é a maior de todas as exposições que já fiz." Os rumos da exposição começaram a mudar logo depois da primeira visita de João Spinelli, curador da mostra, ao ateliê do artista, em São Conrado, no Rio. Spinelli ficou entusiasmado com a multiplicidade de obras disponíveis e conseguiu convencer o artista a cedê-las para a exposição. Em vez de 20 e poucas obras, o artista e o curador acabaram selecionando 86 peças (43 pinturas, 21 assemblages, sete esculturas, seis desenhos, três instalações e seis objetos deslocáveis). "Foram necessários três caminhões para trazer todo esse volume de obras para São Paulo", conta Spinelli. As obras custam de R$ 5 mil a R$ 120 mil. Do total de trabalhos expostos, 55 são inéditos, realizados entre os anos 2000 e 2001. O restante pontua toda a sua trajetória e aborda os temas que Gerchman vem desenvolvendo desde 1964, quando inaugurou sua primeira individual, na extinta Galeria Villa Rica, no Rio. A obra mais antiga é a pintura Só, de 1967, que retrata o revolucionário Che Guevara, mas de maneira dessacralizada. Primeiro porque não utiliza a clássica imagem do herói realizada pelo fotógrafo cubano Alberto Korda e espalhada pelo mundo em milhões e milhões de camisetas e adesivos. Gerchman também não precisa usar a cor vermelha para acentuar as características ideológicas do trabalho. A estrela que paira sobre a cabeça de Che Guevara, por exemplo, é azul. Abaixo, sobre sua mão espalmada, a palavra "só" indica a solidão como uma condição trágica do herói. Só é um dos exemplares do pop brasileiro, movimento que se diferencia de seus similares norte-americano e europeu por causa da grande carga política e ideológica. É arte pop, mas é engajada, como também pode ser observado em trabalhos de contemporâneos seus, como Antonio Dias, Waldemar Cordeiro e Hélio Oiticica. Desde aquela época, Gerchman tem sido fiel a uma temática absolutamente popular, que por vezes o tem aproximado do grande público (e dos grandes colecionadores), mas o tem afastado de parte da crítica, que insiste em vê-lo como datado. Em Terceiro Tempo, por exemplo, estarão presentes os casais de namorados que se entregam a abraços e beijos nos bancos das praças ou nos apertados interiores de automóveis, temática recorrente nos anos 70. Também serão exibidas cenas de futebol e imagens de jogadores, como Pelé e Zico, craques que protagonizaram muitas de suas telas nos anos 80. Gerchman é também, há 40 anos, um grande retratista dos dramas sociais brasileiros. Nos anos 60, por exemplo, durante a ditadura militar, correu riscos ao retratar as mazelas do País em telas como Não Há Vagas (1965), sobre desemprego; Os Desaparecidos (1965), sobre a perseguição aos militantes políticos; e Caixa de Viver Morar Morrer (1966), sobre as subumanas condições de vida dos trabalhadores. Sua militância, no entanto, não parou nos anos 60 ou no regime militar. Nesta mostra será possível ver pelo menos uma obra da série sobre surfistas ferroviários, realizada nos anos 90. Mais recentes ainda são três "objetos deslocáveis", assemblages sobre rodas que reúnem objetos que representam personagens que se "destacaram" por suas mazelas no cenário político e social brasileiro nos últimos meses. Não é à toa que os objetos se chamam Via Brasil, Hotel Brasil e Ed. Brasil. O artista apresentará ainda algumas obras produzidas sob a influência estética de sua estadia na Índia, onde viveu recentemente por quatro meses. Uma delas é a instalação Homem de Vento, uma caixa forrada com seda indiana em que o espectador poderá ouvir o som de um instrumento de percussão local. A mostra vai contar ainda com a exibição de um documentário em DVD em forma de fotonovela sobre a carreira do artista. O filme foi realizado por Manuela Sobral e Bernardo Pinheiro especialmente para a mostra antológica Tempo - 1962/1979, em cartaz no MAC de Niterói (RJ) até 2 de dezembro. Quem quiser ver ainda mais de Gerchman não vai precisar esperar muito. Na quarta-feira, o espaço A Estufa, em São Paulo, vai lançar uma linha de jóias inspirada no imaginário do artista, e no dia 3 de dezembro, no Rio, o Centro Cultural Banco do Brasil vai inaugurar a mostra Caixas de Fumaça (assemblages de objetos agrupados em caixas de charutos). Rubens Gerchman. De terça a domingo, das 12 às 20 horas. Galeria Euroart Castelli. Avenida Colômbia, 157, tel. 3088-9797. Até 9/12. Abertura hoje, às 21 horas.

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