Rosas traz "Rain" ao Brasil e festeja 20 anos

Em entrevista exclusiva, a coreógrafa do grupo, Anne Teresa de Keersmaeker, fala do espetáculo que estréia amanhã no Rio e segue temporada em São Paulo

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Por Agencia Estado
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A terceira noite em que a companhia de Anne Teresa de Keersmaeker apresentou, na última semana de maio, uma espécie de gala que reúne trechos de algumas peças do seu repertório contagiou ainda mais o público que continuava a abarrotar as escadas e as cadeiras extras do Théâtre de la Ville. Como de hábito, ao fim, ela foi para o Mistral, o café ao lado do teatro, para encontrar seus bailarinos e alguns amigos. Foi lá que falou ao Estado com exclusividade sobre Rain, que estréia amanhã no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e segue depois para o Municipal de São Paulo, onde fica nos dias 6 e 7. Acostumada a trabalhar muito e todo o tempo, tinha passado todos aqueles dias acordando bem cedo para tomar o trem das 7h05 para estar em Bruxelas logo no início da manhã. Precisava estar em dois lugares ao mesmo tempo por causa da preparação dos exames finais da sua escola. Considerada hoje o sonho de consumo por estudantes de dança no mundo todo, a P.A.R.T.S (Performance and Arts Researching Training Studios - Estúdios de Treinamento e Pesquisa em Artes e Performance) faz audições em vários países. Como a companhia, também a escola, coordenada por Theo van Rompay, colaborador de Anne Teresa desde o início de sua carreira, transformou-se numa grife de qualidade. Anne Teresa não ficaria em Paris até o fim da temporada da companhia. Seguiu para a Mongólia, para passar duas semanas cavalgando, acompanhada por uma amiga com quem já realizou caminhadas nos Himalaias. Nos últimos anos, tem buscado cada vez mais estar perto da natureza. Ela foi criada numa fazenda, nos arredores de Mechelen, quase um vilarejo na parte flamenca da Bélgica, e conserva uma ligação forte com as montanhas e a floresta. Antes de estrear Small Hands, no início do ano passado, subiu os picos do Nepal e, nas férias do meio do ano, fez longas caminhadas com os dois filhos pelo sul da França. "Estou num processo de não suportar mais continuar a viajar tanto por cidades que se tornam cada vez mais iguais, onde a globalização nos faz comer as mesmas comidas, comprar nas mesmas lojas, estar nos mesmos hotéis, ver os mesmos anúncios, não importa onde estejamos." Nesta entrevista, ela conta como pretende dar continuidade ao trabalho da companhia, que completa agora 20 anos. Quando a companhia voltar das férias, vai dançar "Rain" (2001) no Brasil. É uma boa obra para ser mostrada para um público que conhece pouco da sua produção? Anne Teresa - Infelizmente, não poderei acompanhar toda a turnê brasileira porque as aulas das crianças começam na mesma época e preciso estar em casa para organizar o início do ano escolar deles. Mas irei a São Paulo e estou contente em poder ir. Penso que Rain mostra bem a companhia atual e, apesar de ser muito bem recebida em todos os lugares, não é uma peça de facilitação porque contém a complexidade do tipo de estrutura que me interessa trabalhar. Os teatros estão sempre lotados, o sucesso se torna constante. Anne Teresa de Keersmaeker entrou na moda? Não sei, não sei exatamente o que é isso (e sorri). Eu continuo buscando aprender o que consegue deixar felizes as pessoas perto de mim, os bailarinos com quem trabalho. Por que foram essas as obras escolhidas para representar os 20 anos da cia. formando essa espécie de gala? Em primeiro lugar, uma combinação entre a música delas e o lugar dessas músicas na minha trajetória. Primeiro, foi Steve Reich, em 1981 (Fase), anos depois, em 1986, Bartok (Bartok Aantekeningen), e, então, em 1992, Beethoven (Erts), no ano seguinte, Bach (Toccata), e a volta para Reich em 2001 (Rain). Para The Lisbon Piece (98), Thierry De Mey e Eric Sleichim retrabalharam a percussão de Steve Reich em Drumming. Ela foi incluída porque marca meu primeiro trabalho com bailarinos clássicos. E a outra razão é porque não são todas as criações que permitem que se retire um trecho delas. Esses, reunidos neste programa, considero como highlights. O programa precisava falar sobre continuidades e divergências. O que vem por aí? Finalmente, chegarei ao solo. Já comecei a trabalhar nele com Marion Ballester e com músicas de Joan Baez e Bob Dylan. Improviso, gravamos, ela tira das gravações e me ensina novamente. Passo para o meu corpo aquilo que saiu do meu corpo para o dela e conferimos depois com a gravação. Um processo nascido do que fizemos, Cynthia Loemij e eu, para a criação do duo Small Hands, onde ela reconstruiu os reversos das improvisações gravadas. Estou me preparando há tempos, fazendo aulas com minha professora de Iyengar Yoga, a mais tradicional das iogas, aquela pela qual Yehudi Menuhim também se apaixonou. Faço aula também com Rita Pooelrode, uma das maiores bailarinas de Béjart, de quem era fã absoluta na época. Rita tem hoje 50 anos, é muito forte e é também minha parceira na aula de ioga. Então, do dueto para o solo. Algo a ver com uma volta ao começo, num caminho de trás para a frente, uma vez que tudo começou com solo ("Violin Phase") que se transformou em dueto ("Fase")? Exatamente isso. E depois, vou dar continuidade aos outros eixos também. Farei novamente uma ópera, Due Foscari, do jovem Verdi, para a Teatro La Monnaie, em Bruxelas, e usarei John Coltrane (Love Supreme) e Miles Davis (Bitches Brew) para algo para a companhia. Quais são as prioridades agora? Dançar eu mesma, trabalhar com a combinação de vocabulário clássico e velocidade, e especialmente passar a estruturar células de movimento e não mais uma ou duas frases básicas, como nos últimos anos.

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