Roberto Bolaño, gênio numa família de iletrados

Em coletânea de entrevistas, ficcionista relembra sua vida e não poupa críticas a colegas ilustres

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Por Redação
Atualização:

Antonio Gonçalves Filho - O Estado de S. Paulo

 

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SÃO PAULO - 2666 é o sétimo livro de Roberto Bolaño a ganhar edição no Brasil. Antes dele, a Companhia das Letras havia lançado a coletânea de contos Putas Assassinas e os romances Amuleto, Os Detetives Selvagens, Noturno do Chile, A Pista de Gelo e Estrela Distante. No primeiro semestre de 2011 a editora lança Terceiro Reich, seguido de Monsieur Pain (no segundo semestre) e Chamadas Telefônicas (só em 2012).

 

 

Em termos de genealogia, Bolaño não foi de maneira nenhuma influenciado pela família, revelou numa de suas irreverentes entrevistas. Quatro delas (inclusive a última, concedida a Mónica Maristain, da Playboy mexicana, de julho de 2003) foram reunidas, em novembro passado, pela Meville House Printing, na compilação Roberto Bolaño: The Last Interview & Other Conversations. Bolaño descendia, por parte de pai, de uma família de 500 anos de rigorosos iletrados e, por parte de mãe, de parentes entregues à preguiça há pelo menos três séculos. Era, portanto, a ovelha negra da família, um devorador de livros que, por falta de dinheiro, roubava das livrarias seus autores preferidos. Sua influência é tão grande sobre os novos escritores que até mesmo esse hábito desonesto foi incorporado. 2666 é o livro mais roubado em Portugal. Ele chegou na quinta-feira às livrarias brasileiras.

 

Bolaño ganhava a vida participando de concursos literários. Vencia todos, mas sempre andava de bolsos vazios. Alguns culpam o vício da heroína, que lhe teria consumido a conta bancária e o fígado, levando-o à morte precoce. Outros, a vocação irresistível para vagabundo, que arrumava inimigos a cada entrevista, arrasando autores como Isabel Allende. Bolaño era um leitor exigente. Como escritor, ainda mais. Deixou uma obra em que ataca principalmente seus pares, comparando a cultura literária a uma prostituta que, diante da repressão e do perigo, faz vista grossa. Seu livro Noturno do Chile (2000) é uma denúncia dessa omissão.

 

Nesse inventário ficcional da longa noite ditatorial chilena, enquanto a junta militar tortura dissidentes, intelectuais discutem poesia não muito longe dali. Em Amuleto (1999), um poeta de meia-idade sobrevive à invasão da Universidade Autônoma do México, em1968, escondendo-se no banheiro. Em Os Detetives Selvagens, seu melhor livro depois de 2666, o trotskista Bolaño alimenta o fogo da revolução permanente ao descrever com simpatia a ação de uma gangue de poetas contra o establishment literário - autoparódia do movimento poético por ele criado, o infrarrealismo. Era a vingança de um poeta obrigado a se dedicar à prosa para ganhar dinheiro, após o nascimento de seu filho Lautaro (homenagem ao líder Mapuche que resistiu à invasão espanhola no Chile). Afinal, foram seus contos que despertaram o interesse do editor Jorge Herralde (Anagrama) por sua obra.

 

O ano em que conheceu Herralde, 1995, marcou a virada na vida de Bolaño. O editor não publicou La Literatura Nazi en América (1996) porque a Seix Barral já comprara o polêmico livro, que conquistou os críticos e deixou autores revoltados. Nele, o chileno exercita seu talento enciclopédico, enumerando escritores autoritários que contribuíram com ditaduras militares. O escritor argentino-canadense Albert Manguel não o considera um grande livro. Diz que é um pastiche de Bolaño, que teria emulado Borges (História Universal da Infâmia) e Marcel Schwob (Vidas Imaginárias) para criar seu compêndio de escritores reacionários, em que inclui Rubem Fonseca e Osman Lins.

 

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Outro, além de Manguel, poderia lembrar que tudo não passou de ressentimento desse ex-lavador de pratos, segurança de acampamento e lixeiro, hoje o mais badalado escritor latino desde García Márquez. Bolaño, com certeza, teria gostado mais de estar ao lado do poeta e conterrâneo Nicanor Parra. Como ele, poderia ter dito: "Me retracto de todo lo dicho."

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