Rimas

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Por Luis Fernando Verissimo
Atualização:

Todo o mundo sabia que a mulher do Ferreira o enganava mas o Ferreira continuava lhe fazendo poemas. Onze anos de casados e ele ainda cantava a mulher em versos. Versos ruins, "amor" rimando com "flor" e "paixão" com "coração", mas versos. Que lia para a roda do chope antes de entregar à mulher, às vezes acompanhados de uma rosa. A infiel se chamava Rosa."Tua beleza é um dom divinoAo qual faço este hino"Ou:"És formosa, sedosa, cheirosaGarbosa, mimosa, vistosaVoluptuosa, maravilhosa...Enfim, és Rosa!"Depois de ler um dos seus versos, o Ferreira olhava em volta da mesa e perguntava:- Hein? Hein?Os amigos se entreolhavam e sorriam. - Boa, Ferreirão.Gostavam do Ferreira. Era uma boa alma. O que não impediu que lhe dessem um apelido, sem ele saber: Corno Lírico.***Ninguém sabia como a Rosa recebia os poemas que o Ferreira lhe entregava, às vezes com uma rosa.Beijava o Ferreira e dizia coisas como "Você é mesmo um doce", ou jogava o poema e a rosa no lixo, já que não podia jogar o Ferreira? O amante atual da Rosa, sabiam todos menos o Ferreira, era um fiscal da Receita chamado Rubival. Os dois se encontravam todos os fins de tarde. Um dia a Rosa se atrasou no encontro com o Rubival e quando chegou em casa o Ferreira já estava lá, com um novo poema na mão.- Onde você estava?- Na pedicure. Tive que esperar. Toda a cidade resolveu fazer os pés na mesma hora.O novo poema do Ferreira para a mulher terminava assim:"Rosa linda, Rosa rainhaRosa perfeita, Rosa minha."***Eles já estavam na cama, luz apagada, quando o Ferreira perguntou:- Pedicure?- É.Silêncio. Ela:- Por quê?Ele:- Por nada.- Está duvidando de mim?- Claro que não.- Quer ver o meu pé?- Quié isso?***Os amigos estranharam. O Corno Lírico estava distraído. Quieto. Olhar perdido. Não era o mesmo Ferreirão de sempre. Os outros já estavam no terceiro chope e ele ainda não tocara o seu primeiro.- E aí, Ferreirão?- O quê?- Pensando na vida?- Não, não.- Tudo bem em casa?- Bem, bem.E o Ferreira voltou ao seu silêncio. Dali a pouco, perguntou para a roda:- Qual é uma rima pra "desgosto"?Todos respiraram, aliviados. Então era naquilo que o Ferreira pensava, num poema. E todo o mundo deu palpite. Agosto. Rosto. Mosto. Encosto. Recosto. Imposto. Entreposto...

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