04 de abril de 2010 | 00h00
"Tua beleza é um dom divino
Ao qual faço este hino"
Ou:
"És formosa, sedosa, cheirosa
Garbosa, mimosa, vistosa
Voluptuosa, maravilhosa...
Enfim, és Rosa!"
Depois de ler um dos seus versos, o Ferreira olhava em volta da mesa e perguntava:
- Hein? Hein?
Os amigos se entreolhavam e sorriam.
- Boa, Ferreirão.
Gostavam do Ferreira. Era uma boa alma. O que não impediu que lhe dessem um apelido, sem ele saber: Corno Lírico.
***
Ninguém sabia como a Rosa recebia os poemas que o Ferreira lhe entregava, às vezes com uma rosa.
Beijava o Ferreira e dizia coisas como "Você é mesmo um doce", ou jogava o poema e a rosa no lixo, já que não podia jogar o Ferreira? O amante atual da Rosa, sabiam todos menos o Ferreira, era um fiscal da Receita chamado Rubival. Os dois se encontravam todos os fins de tarde. Um dia a Rosa se atrasou no encontro com o Rubival e quando chegou em casa o Ferreira já estava lá, com um novo poema na mão.
- Onde você estava?
- Na pedicure. Tive que esperar. Toda a cidade resolveu fazer os pés na mesma hora.
O novo poema do Ferreira para a mulher terminava assim:
"Rosa linda, Rosa rainha
Rosa perfeita, Rosa minha."
***
Eles já estavam na cama, luz apagada, quando o Ferreira perguntou:
- Pedicure?
- É.
Silêncio. Ela:
- Por quê?
Ele:
- Por nada.
- Está duvidando de mim?
- Claro que não.
- Quer ver o meu pé?
- Quié isso?
***
Os amigos estranharam. O Corno Lírico estava distraído. Quieto. Olhar perdido. Não era o mesmo Ferreirão de sempre. Os outros já estavam no terceiro chope e ele ainda não tocara o seu primeiro.
- E aí, Ferreirão?
- O quê?
- Pensando na vida?
- Não, não.
- Tudo bem em casa?
- Bem, bem.
E o Ferreira voltou ao seu silêncio. Dali a pouco, perguntou para a roda:
- Qual é uma rima pra "desgosto"?
Todos respiraram, aliviados. Então era naquilo que o Ferreira pensava, num poema. E todo o mundo deu palpite. Agosto. Rosto. Mosto. Encosto. Recosto. Imposto. Entreposto...
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