Rico arsenal técnico para captar solidão e desencanto

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Por VINICIUS JATOBÁ É CRÍTICO LITERÁRIO
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Crítica: Vinicius JatobáJJJJ ÓTIMOJJJJ ÓTIMODe vez em quando acontece um Alejandro Zambra: um talento tão natural, com uma voz narrativa tão austera, que anestesia até mesmo a capacidade de surpresa. É como se este chileno fosse um broto esperado da literatura latino-americana: um narrador concentrado, cujos três livros publicados respondem de maneira exemplar à tradição de novelas curtas do continente. Mais, até: é possível que longe de um estilo narrativo histriônico, o arsenal técnico decantado com que Zambra constrói suas narrativas dê sensação de facilidade que não é relacionada à expectativa daquilo que se espera como grande literatura. No entanto, é incompleta essa sensação: escolher o mais simples possível é não escolher todas as outras possibilidades.Nenhum livro exemplifica melhor essa economia narrativa que Bonsai (2006), seu primeiro livro. Fartamente traduzido e premiado, há nele uma sapiência de foco. Conta-se a história de amor entre Julio e Emilia, desde seu início complacente até seu final esperado. Bonsai é sobre a maneira como as pessoas se constroem umas para as outras, mentindo e se escondendo, e o peso de viver uma intimidade inteira encenando essas primeiras escolhas. O amor nasce do hábito, a amizade nasce do hábito, filhos nascem pela força do hábito, e o sabor dos sentimentos se perde sob a poeira acumulada desse esforço de corresponder mais àquilo que os outros esperam do que realmente se teria a oferecer. Julio e Emilia constroem uma intimidade que jamais se aprofunda porque não se enxergam de verdade, e todas as relações da novela se esgotam porque passam por esse jogo de mascaramento.Nada mais coerente com esse universo que a estética do livro. Bonsai é uma árvore podada até se tornar uma miniatura. Mas não é por ser uma miniatura que não é uma árvore, e o espantoso em Bonsai é como ele alcança uma complexa e vasta gama de sentimentos em tão pouco espaço. Não haveria outra maneira de narrar uma estória de pessoas que se podam umas diante das outras do que com um texto subtraído ao mínimo possível. Zambra carrega essa estética para sua novela seguinte, a extraordinária La Vida Privada de los Árboles (2007), em que o narrador espera sua mulher retornar para casa ao longo de uma madrugada de insônia enquanto repassa sua vida sentimental. O livro mais recente, Formas de Volver a Casa (2011), mais próximo de um romance, possui uma narrativa em que um escritor lida com um divórcio enquanto escreve uma novela: retoma os temas de solidão compartilhada e mascaramento, mas adiciona agora uma camada política: a vida daqueles que decidiram não fazer nada durante a ditadura. Jovem talento em expansão, Zambra já é um dos maiores escritores do continente.

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