Retrato analítico de deus

Philippe Julien trata de psicanálise e religião em Freud, Jung e Lacan

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Por Sérgio Telles
Atualização:

A perda de referenciais estáveis trazida pela modernidade faz com que a psicanálise e a religião sejam procuradas como meios de reencontrar o sentido perdido. Em seu livro, Philippe Julien procura estabelecer as aproximações e diferenças entre esses dois campos, a partir da visão de Freud, Jung e Lacan. Freud buscou mostrar as raízes inconscientes universais que alimentariam a necessidade da religião. Ela decorreria da vivência de desamparo da criança, que, exposta a todos os perigos e incapaz de se defender contra eles, necessitaria da proteção e do amor de seus pais para sobreviver. As religiões decorreriam, assim, da permanência no inconsciente do desejo infantil de proteção por parte de um pai todo-poderoso. Seriam, portanto, uma criação do homem, não uma revelação divina.Julien pensa que esta interpretação de Freud seria aplicável às religiões mais arcaicas e pagãs nas quais prevalecem deuses onipotentes, não se adequando ao judeu-cristianismo. Como um avanço frente àquelas, o judaísmo teria exercido uma dessacralização do mundo, ao abolir as representações visuais de Deus, restringindo-o à linguagem. Já o cristianismo teria ido mais além, ao encenar a morte de Deus na figura de Cristo, dando margem à concepção de um deus não mais onipotente, ou ainda, rompendo a distância entre deuses e homens, na medida em que o Espírito Santo encontrar-se-ia entre nós.Para Julien, a psicanálise e religião cristã afirmam a morte do pai (deus) todo-poderoso e falam da necessidade de elaborar o luto. Mas divergem na forma como se faria este luto, divergência que transparece nas posições de Jung e Lacan. Jung, em completa oposição a Freud, entendia a modernidade como um recalcamento da religiosidade, tida como evidência do sagrado criado por Deus no psiquismo humano. Lacan, por sua vez, via a modernidade como um desdobramento do Iluminismo, que a psicanálise deveria desenvolver à sua maneira. O pequeno mas denso livro de Philippe Julien é de especial interesse para profissionais da área. Como para justificar sua complexidade, o autor lembra o que Freud disse em A Questão da Análise Leiga defendeu que, "diferentemente da medicina, o ensino analítico envolve história da civilização, mitologia, psicologia das religiões e literatura. Sem uma boa orientação nesses campos, o analista não consegue entender grande parte do material que a ele se apresenta".SÉRGIO TELLES É PSICANALISTA E ESCRITOR, AUTOR DE VISITA ÀS CASAS DE FREUD E OUTRAS VIAGENS (EDITORA CASA DO PSICÓLOGO), ENTRE OUTRAS OBRAS

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