Restaurador da Capela Sistina ensina o que sabe em São Paulo

Em entrevista à Agência Estado, o professor Gianluigi Colalucci, 70 anos, que ministra curso na Pinacoteca a partir de segunda, defende-se dos críticos que o acusam de ter descaracterizado os célebres afrescos de Michelangelo

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Por Agencia Estado
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Tudo o que você sempre quis saber sobre o polêmico restauro da Capela Sistina, mas não tinha para quem perguntar, poderá ser esclarecido por ninguém menos que Gianluigi Colalucci, diretor da equipe que, ao longo de 14 anos, debruçou-se sobre os mais célebres afrescos da humanidade, obra máxima do Renascimento, pintados por Michelangelo (1475-1564), entre 1508 e 1541, a pedido do Papa Júlio 2º. A restauração (1980-1994) fez do senhor Colalucci uma celebridade. Hoje com 70 anos de idade, coordenador-geral de Restauração dos Museus do Vaticano, o professor chega à cidade para ministrar, na Pinacoteca, o seminário Teoria e Prática do Restauro. São quatro dias de curso, para 130 felizardos, sobre história da restauração, técnicas, limpeza e novas tecnologias. Em entrevista concedida à Agência Estado, por e-mail, de Roma, Colalucci evitou polemizar sobre as críticas que o atormentaram. Especialistas, principalmente dos Estados Unidos, disseram a postura de Colalucci em relação ao restauro foi muito "invasiva", ou seja, que ele "limpou demais". Opositores mais ferozes afirmam que surgiram cores "inesperadas", que nunca poderiam ter sido criadas por Michelangelo no fim do "quatrocento". O imbróglio central diz respeito à camada de cola que - segundo James Beck, especialista da Universidade de Columbia que mais dores de cabeça deu ao senhor Colalucci - Michelangelo teria passado sobre os afrescos para firmar as cores, por cima dando os retoques finais. Para Colalucci, essa camada não foi posta pelo mestre do Renascimento, mas pelos inúmeros restauradores que fizeram da Capela Sistina seu playground por mais de 400 anos, em tentativas, muitas vezes desastrosas, de retirar as camadas de fumaça (de velas e incensos), poluição (dióxido sulfúrico dos motores), gesso e sais minerais (uma reação das infiltrações de água da chuva). Colalucci promete tratar desse encardido tema na quinta (A Restauração dos Afrescos na Capela Sistina: a Causa dos Danos, os Antigos Restauros, Técnicas Recentes, as Cores e a Pintura de Michelangelo). Ele adianta: "Em mais de 400 anos nenhum restauro produziu danos imediatos, mas as colas animais colocadas pelos restauradores foram escurecidas pelo tempo e esconderam as cores verdadeiras". Resposta aos críticos - Questionado sobre a eficácia (ou não) de seu trabalho, Colalucci devolveu: "Foram usadas técnicas tradicionais de restauro testadas há muito anos". Entretanto, não foi além para responder se, mesmo com técnicas tradicionais, as cores originais do afresco foram afetadas (como sustentam Beck e outros papas do restauro pelo mundo). Colalucci se defende: "A limpeza não foi levada a fundo porque deixou sobre os afrescos a camada de sujeira que se formou e se fixou nos primeiros 50 anos. A pintura no afresco não é comparável àquelas sobre madeira ou tela, de modo que não se pode deixar sobre a pintura os antigos vernizes originais, que no afresco não existem. A nossa limpeza recuperou integralmente a pintura e as cores de Michelangelo, que não eram vistas há mais de um século". Em resposta aos críticos da limpeza, diz: "Penso que seja mais importante descobrir novamente o verdadeiro estilo de Michelangelo do que conservar a fumaça, a poeira e as colas animais que se acumularam durante os séculos". E insinua que muitos de seus algozes só viram a Capela em reproduções e engoliram a tese da distorção das cores originais: "Se você vir os afrescos diretamente na Sistina, nota que as cores são suaves e delicadas. É uma impressão muito diferente da que se tem por meio de fotografias, nas quais as cores são sempre muito intensas". A secular "pintura de afresco" é feita quando o reboco de cal ainda está úmido na parede. Quando a cal seca, reage com os pigmentos usados e fixa a cor. "A técnica é extremamente simples", diz Colalucci, "mas de execução extremamente difícil". A técnica adotada por Colalucci surpreendeu pela simplicidade: a parede recebe, por exatos 12 minutos, uma folha de papel japonês embedida numa solução de 25% de carbonato de amônia. Por cima, encosta-se brevemente outra folha de papel embebida numa mistura de solventes. Removido o papel, a superfície é limpa com uma esponja natural com carbonato de amônia. Concluída a limpeza, lava-se diversas vezes a superfície com água destilada. Todo o restauro dos afrescos - patrocinado pela Nippon Television Network de Tóquio - custou US$ 4 milhões Segundo o professor Domingo Tellechea, presidente do Instituto Domingo Tellechea de Conservação e Restauro, reponsável pela vinda de Colalucci, o curso interessa aos brasileiros na medida que existem muitos afrescos espalhados pelo País - como o Ministério da Cultura do Rio, que recentemente restaurou afrescos de Candido Portinari . O seminário recebe as inscrições pelo tel. 3849-8245. O preço: R$ 350.

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