EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Coluna quinzenal do escritor Ignácio de Loyola Brandão com crônicas e memórias

Opinião|Resistiremos, somos imortais

Vivi na semana passada um momento de emoção: vi, na primeira fila, a posse de Fernanda Montenegro na Academia Brasileira de Letras

PUBLICIDADE

Atualização:

Nesta vida, já vi bastante. E nem queiram saber o quanto ouvi. Não tanto quanto gostaria de ouvir, ver e viver, mas aí teria de ser alguém excepcional. Não sou. Mesmo assim vivi, na semana passada, um momento de emoção. A posse de Fernanda Montenegro na Academia Brasileira de Letras. Resistência, simbolismo. Vi da primeira fila. Quando entrei, descobri que, ao lado de Rosiska Darcy, havia um lugar vago, sentei-me e fiquei olhando direto para Fernanda, majestosa. 

A atriz Fernanda Montenegro prova o fardão para sua posse da Academia Brasileira de Letras (ABL) Foto: Carmen Mello

PUBLICIDADE

Quantos já estiveram frente a frente com ela? Momento mágico, de uma força inaudita, pancada benfazeja. Pela primeira vez, percebi uma pessoa fazendo o discurso e interpretando o texto. Dona de voz e gestual que enfeitiçaram plateias ao longo de décadas, ela nos mostrou como viver o discurso em que falou do teatro em nossa vida e no País. Esta foi a noite em que uma atriz entrou para a Academia Brasileira de Letras. Instante em que se soube que as coisas mudavam. 

Vivência no discurso

Quebra de paradigma, mudança. Uma ventania passou pelo Petit Trianon no Rio e nos deixou arrepiados. Nas palavras de Fernanda estavam as respostas àquela indagação que ouço a todo momento: mas o que a Fernanda escreveu? Ela não escreveu. Ela viveu. No palco, nos filmes, na televisão, todos os personagens que explicaram o Brasil e o mundo, o que somos e porque somos. Agora que um burro deixou o Ministério da Educação – fomos o único país a ter tido uma besta-fera à frente do ensino –, o discurso de Fernanda deveria ser lido em todas as classes deste País, como matéria obrigatória. 

Aula magna

Publicidade

Quem quiser desfrutar de uma aula, de um longo poema, de uma obra-prima de oratória, resenha de história do Brasil, resistência à opressão, à censura, à ditadura, acesse o site da Academia. Como falar tanto, com calma indignada, sem usar nenhuma vez as palavras “ditadura”, “censura”, “opressão”, “aniquilamento de cultura”? 

Resistência

Fernanda conduziu seu texto em crescendo, aumentando a tensão, a força das palavras, e fomos percebendo que tudo que ela dizia estava dentro de cada um de nós que, neste Brasil, mexe (como dizem os mineiros) com arte e cultura, em momentos em que a liberdade é ameaçada. Mas ela finalizou com um grito: Resistiremos, somos imortais.

* Ignácio de Loyola Brandão é jornalista e escritor, autor de Zero e Não Verás País Nenhum

Opinião por Ignácio de Loyola Brandão
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.