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Resgate de Freud

Luto e Melancolia em tradução de Marilene Carone sai agora em livro

Por SÉRGIO TELLES
Atualização:

A extensa obra de Freud apresenta dois grandes desafios ao tradutor. O primeiro diz respeito a seu estilo, no qual se conjugam o empenho didático, que impõe uma extraordinária clareza na exposição, e a alta qualidade literária, responsável por um texto cuja leitura instiga a curiosidade intelectual do leitor e lhe proporciona, com suas frases fluidas e bem concatenadas, inequívoco prazer estético. O segundo diz respeito ao rigor teórico a ser seguido, pois uma grande quantidade de conceitos vai sendo construída à medida que a obra avança e o tradutor deve conhecê-los para manter a nomenclatura coerente.O inglês James Strachey - irmão do escritor Lytton, participante do grupo Bloomsbury, em que brilhava Virginia Woolf - saiu-se muito bem da empreitada com sua Standard Edition. Apesar de, no esforço de manter o rigor conceitual, ter criado expressões que se afastam um tanto do sentido freudiano, como o termo "catexia", Strachey valorizou ainda mais sua tradução com oportunas introduções que situam cada texto e um eficiente sistema de referências cruzadas que muito facilita o trabalho do estudioso.Quando, nos anos 70, a Editora Imago do Rio traduziu a Standard Edition para o português, o entusiasmo inicial dos interessados na obra de Freud foi aos poucos substituído pelo constrangimento, dado o grande número de equívocos da mesma.A psicanalista Marilene Carone foi uma das primeiras a se preocupar com a necessidade de se traduzir diretamente do alemão para o português a obra do sábio de Viena. Um projeto de ampla envergadura ao qual se dedicou, mas que, em função de seu precoce falecimento em 1987, ficou restrito aos textos A Negação, Luto e Melancolia e Conferências Introdutórias à Psicanálise. Luto e Melancolia tem grande relevância teórica, pois ali a identificação, deixa de ser apenas mais um dos mecanismos psicológicos e passa a ser o processo pelo qual o ser humano se constitui. Ao constatar que os melancólicos não cessavam de se acusar, de se aviltarem, de dizerem não merecer qualquer consideração ou respeito, Freud percebeu que os impropérios que o melancólico dirigia a si mesmo, na verdade se referiam a alguém de suas relações, com quem mantinha um relacionamento conflitivo e que perdera por morte ou por desentendimento definitivo. Ou seja, o melancólico estava identificado com a pessoa perdida, e, ao se atacar, na verdade estava atacando aquela pessoa. Essa descoberta clínica possibilitou a Freud organizar a teoria do complexo de Édipo, centrada na identificação estrutural com as figuras relevantes de pai e mãe. Mais ainda, a questão da perda do objeto, central em Luto e Melancolia, permitiu desdobramentos teóricos decisivos, como os realizados pela escola kleiniana (objeto destruído na posição esquizoparanoide e reparado na posição depressiva) e na lacaniana (objeto "pequeno a").A cuidadosa versão de Luto e Melancolia realizada por Marilene Carone fora publicada anteriormente em revistas especializadas e a Cosac Naify a relança agora numa edição bem apresentada, encadernada, com fita marcadora de página e impressa com tipos e cores diferentes. O livro vem enriquecido com três textos. Uma pequena apresentação de Modesto Carone, fonte das informações aqui apresentadas, e dois artigos de Maria Rita Kehl e Urania Tourinho Peres. Estas autoras discorrem sobre a importância da melancolia no corpus psicanalítico, além de recuperarem a larga história da melancolia na cultural ocidental, quando era considerada a doença dos homens excepcionais, dos pensadores, filósofos e artistas. LUTO E MELANCOLIAAutor: Sigmund FreudTradução: Marilene CaroneEditora: Cosac Naify (144 págs., R$ 39,90)Lançamento: Livraria da Vila. Av. Higienópolis, 618. Hoje, às 19 h.

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