Renova-se o interesse pela obra de Brecht

Obra do escritor alemão volta ao teatro e às livrarias, com a edição de seus diários, provando mais uma vez que está destinada à evolução a cada releitura

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Por Agencia Estado
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Visionário, o ensaísta Roland Barthes escreveu, em 1971, no prólogo de seus Ensaios Críticos: "Estou persuadido de que Brecht, que parece ter desaparecido do campo da vanguarda, ainda não disse sua última palavra: ele regressará, se assim posso dizer, em espiral: era a bela imagem da história proposta por Vico (retomar a história sem repetir, sem a repisar)." A previsão, ao menos por ora, concretiza-se em São Paulo: os escritos de Bertolt Brecht ocupam tanto o palco (Mãe Coragem e seus Filhos está no Teatro Sesc Anchieta) como as livrarias (Diário de Trabalho vai ser lançado neste mês, pela editora Rocco). Seus textos inspiraram ainda o show da atriz e cantora Hanna Schygulla, que se apresentou em São Paulo no mês passado, interpretando as principais canções cujas letras foram escritas pelo alemão. "Ao contrário do que pregam alguns, a obra de Brecht possui vida própria e está destinada à evolução graças às modificações que surgem a cada leitura", comenta Christine Röhrig, que há 12 anos estuda a produção do escritor alemão, desde organizando a coleção com sua obra completa (publicada pela Paz e Terra em 1995) até traduzindo o texto inacabado de O Declínio do Egoísta Johann Fatzer, recentemente editado pela Cosac & Naify. "Todas as idéias que ele cultivou destinam-se a uma colheita tardia." A globalização e o conseqüente aumento das diferenças sociais, segundo Christine, tornam atual o discurso brechtiano. "Apesar de algumas passagens de suas peças soarem um tanto datadas e até didáticas demais, o que importa é a forma como ele contesta as injustiças e valoriza o homem que busca resgatar sua posição", comenta ela, lembrando especificamente Mãe Coragem. Comércio - A peça conta a história de Anna Fierling, que atravessa em sua carroça a Guerra dos 30 Anos, entre católicos e protestantes, comercializando com os soldados, aproveitando-se do momento para sobreviver do trabalho como vítima e aproveitadora. Como pagamento pelas vantagens que obtém, Anna, vivendo a contradição de exercer tanto o papel de mãe como o de comerciante, perde seus três filhos: os dois homens alistam-se entre os combatentes; já a filha muda morre quando fala pela única vez, por meio de um tambor em que alerta uma pequena cidade sobre uma invasão iminente, salvando assim a vida de muitas crianças em troca da sua. "Nesse texto, ele promove um profundo estudo da guerra, sua realidade econômica e as injustiças contra o homem", conta Christine. "Brecht me ensinou a ser uma pessoa indignada com as situações adversas, a exercer a cidadania em um momento em que as diferenças são usadas para distanciar as pessoas." Brecht começou a escrever o texto de Mãe Coragem e seus Filhos em 1938, quando estava exilado na Dinamarca, prudentemente distante do nazismo já instalado na Alemanha. A peça foi concluída no ano seguinte, quando se mudou para a Suécia. "No exílio, ele sofreu pela impotência de não poder fazer nada e, por conta de sua indignação, escreveu suas melhores obras, compensando sua revolta", atesta Christine. "Daí a importância de se conhecer seus diários."

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