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Renato Borghi encena seu primeiro texto de Shakespeare

Em "Timão de Atenas", que estréia no Teatro Popular do Sesi, o ator interpreta Timão, aparentemente o paradigma da generosidade. Ele distribui riquezas sem nada pedir - o problema é que o ouro se esgota

Por Agencia Estado
Atualização:

Renato Borghi está sentado ao piano na sala de ensaio do Teatro Popular do Sesi. Fala com intensa vibração sobre a estréia de "Timão de Atenas", nesta quinta-feira, no Teatro Popular do Sesi. Tudo nele denuncia a satisfação com o desafio a que se propôs. Será a primeira grande montagem desse texto de Shakespeare no Brasil. Não é inédito, mas é quase como se fosse, uma vez que as outras montagens ou não o levaram na íntegra - como foi o caso da dirigida por Abujamra, no Rio - ou foram realizadas como formatura escolar, uma delas sob direção de Aderbal Freire-Filho, também no Rio. Sem dúvida, a montagem de "Timão de Atenas", dirigida por Elcio Nogueira Seixas, com tradução e adaptação de Vadim Nikitin, nada menos do que 15 atores no elenco, quatro músicos e trilha composta especialmente por Marcelo Pellegrini, tem entre seus méritos o de fazer repercutir esse polêmico texto de Shakespeare, sobre o qual não há registro de que tenha sido encenado pelo seu próprio autor. Mais ainda, tem uma incrível ressonância nestes tempos de desencanto com a civilização ocidental cada vez mais baseada unicamente sobre o poder econômico. ?Tem trechos desse texto que, tenho certeza, o público vai pensar que a gente reescreveu, e no entanto estão lá, no original?, observa Renato Borghi, que interpreta o protagonista, Timão, cidadão de Atenas, não por acaso berço da civilização ocidental, onde se passa o primeiro ato. ?Nessa peça, mais que em nenhuma outra, se unem as almas de Shakespeare e de Brecht?, observa Borghi. ?Do primeiro está presente a beleza poética e a complexidade da alma humana; do segundo, a demonstração clara da inclinação do homem pela corrupção, pelo desejo de acumulação acima da solidariedade, da amizade, de qualquer valor humanista.? ?Há 25 anos tenho vontade de encenar esse texto? Mas que ninguém pense numa montagem oportunista. ?Encontrei anotações feitas por Borghi sobre Timão feitas em 1973?, comenta o diretor Elcio Nogueira. ?Há 25 anos tenho vontade de encenar esse texto?, completa Borghi. Só agora, com o apoio do Sesi, eles conseguiram reunir as condições necessárias para essa montagem grandiosa e de difícil realização. Artista de atuações antológicas na história do teatro brasileiro - entre elas nos papéis de Abelardo ("O Rei da Vela") e Édipo - Borghi dá vida agora a um personagem de extremos. "Timão" é aparentemente o paradigma da generosidade. Distribui riquezas sem nada pedir, mais ainda, sem aceitar qualquer retribuição. ?Mas sua generosidade não é inocente. Se tivesse de criar um slogan para ele seria: a vida é agora, a fatura amanhã?, brinca Borghi. ?É mais complexo do que simples generosidade. No fundo ele acredita que pode mudar o relacionamento entre os homens por meio de uma superação das coisas materiais. Algo como uma sociedade baseada na solidariedade, quando a troca pelo ouro se esgotar?, observa Elcio. O problema é que o ouro se esgota e tal solidariedade não vem. Os amigos desaparecem junto com a fortuna. ?Aí ele passa da dádiva absoluta à decepção absoluta, passa a ter ódio de toda espécie humana e também de si mesmo?, afirma Borghi. E não por acaso vai para uma floresta, a negação da civilização. Rico, ele se sentia um deus, capaz de fazer milagres, como o casamento de um criado com uma nobre, graças ao dote dado ao criado. Depois, vem a impotência e ele impreca contra tudo e todos.? A Santa Ceia é uma das citações visuais presentes na montagem. Curiosamente, o elenco está cheio de atores que são também diretores. Entre eles, Mauricio Paroni, intérprete do filósofo Apemanto, o único a criticar abertamente Timão, rico ou pobre. ?Seu lema é: não compactuo.? Os outros são Marcelo Marcus Fonseca, no papel do honesto Flávio, o administrador dos bens de Timão; Alvise Camozzi, joalheiro e Lorde Lúculo; Nilton Bicudo, poeta e Ventídio. Há ainda o dramaturgo Pedro Vicente, como pintor, e Ariel Borghi no papel do general Alcibíades. ?É um texto que pede atores inteligentes, capazes de pensar em conjunto a sua plena realização no palco?, argumenta Borghi, o irado Timão. Timão de Atenas. 140 min. (com intervalo). 14 anos. Teatro Popular do Sesi(466 lug.). Avenida Paulista, 1.313, 3146-7405. 5.ª a sáb., 20 h; dom., 19 h. R$ 15,00 (6.ª e sáb.) e grátis (5.ª e dom. - retirar convites a partir de 3 horas antes). Até 15/12

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