27 de janeiro de 2011 | 00h00
Tudo depende do olhar. Há quem olhe as pirâmides do Egito e veja um fenômeno arquitetônico e um triunfo do empreendimento humano. Outros só veem o sofrimento dos escravos pela maior glória de senhores insensíveis. Há quem olhe a fachada de uma catedral antiga e sinta seu espírito se enlevar, há quem veja na sua imponência apenas uma declaração de poder. No seu livro Cultura e Imperialismo, o crítico Edward Said escreveu sobre a relação, às vezes inconsciente, do romance europeu com o colonialismo a partir do século 19. Seu exemplo mais comentado é um estudo sobre Mansfield Park, de Jane Austen, em que ele ressalta a importância para a vida na mansão descrita pela autora, que dá título ao livro, de uma plantação no Caribe. Em nenhum momento do livro de Austen é sugerido que a família seja cúmplice do imperialismo, e muito menos que seu estilo de vida dependa de escravos, mas a tese de Said é que em boa parte da literatura feita na Europa na época - inclusive singelas histórias de donzelas pastorais vivendo o drama de arranjar marido - esta interdependência está implícita. Depende do olhar de quem a lê.
Como no caso de catedrais e cantatas, a literatura produzida na Inglaterra e na França principalmente (e Portugal e Espanha, já que estamos falando de colonizadores) redime ou não redime o crime, neste caso da conquista imperial. Vendo uma mansão inglesa em meio a um idílico parque de grama perfeita, você pensa em Jane Austen ou pensa nos escravos?
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