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Religião, folclore e ópera

Diretor antecipa os detalhes da produção de A Valquíria, que estreia em novembro no Municipal

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Por João Luiz Sampaio
Atualização:

O Teatro Municipal de São Paulo completa 100 anos amanhã. E, enquanto uma nova produção do Rigoletto, de Verdi, comemora o aniversário, os olhos e ouvidos do público se voltam para uma das próximas óperas a ocupar o palco agora centenário, em novembro: A Valquíria, de Richard Wagner, um dos pilares do repertório lírico. A expectativa é justificada. A obra foi encenada no Municipal pela última vez nos anos 50 - antes disso, havia sido produzida apenas nos anos 20. A Valquíria é a segunda parte da tetralogia O Anel do Nibelungo, que nunca foi apresentada na íntegra em São Paulo - e nos faz desejar que a montagem de novembro possa ser o início deste projeto mais amplo. Enquanto isso não acontece, porém, o diretor cênico André Heller Lopes trabalha em sua concepção, que vai propor uma "Valquíria brasileira"."Quando o convite para fazer Valquíria surgiu, eu estava entregando minha tese de doutorado sobre a ópera nacional no Brasil do século 19, ou seja, impregnado desse universo onde se formou boa parte do que ainda hoje reconhecemos como cultura brasileira - e também a época contemporânea a Wagner e seu Anel. Além disso, quando acompanhei os ensaios da Valquíria feita em Manaus, em 2002, me chamou muito a atenção uma imagem: os cantores, de figurino, sendo fotografados na selva. Na minha cabeça, se estabeleceu a mistura interessante da floresta, do conteúdo brasileiro, com esses personagens. Assim surgia a ideia deste Anel brasileiro, em que a floresta - e também a cidade - entrassem nesse "universo tão universal" de Wagner", explica o diretor, que trabalha ao lado do figurinista Marcelo Marques, do cenógrafo Renato Theobaldo e do iluminador Fabio Retti. A direção musical e regência será de Luiz Fernando Malheiro.Brasil em evidência. A Valquíria, estreada em 1876, narra a história do deus Wotan que, na busca por um mundo baseado no amor, corrompe-se e é confrontado com sua própria falibilidade. Trata, explica Heller, de temas como as relações humanas, a relação do homem com Deus, do homem com o poder. "Esses temas se prestam à nossa necessidade atual de discutir o Brasil." E que Brasil é esse que o diretor pretende retratar? "Estamos acostumados a tratar como brasileiro apenas aquilo que é folclórico, mas isso é redutor. Nesse sentido, um Anel à brasileira é uma encenação que colocará em foco os diversos mundos que formam nossa cultura - o universo dos imigrantes, a religião, o folclore - tentando entender e defender como somos, que é o samba, é Carmen Miranda, mas também é a ópera. Na saga da queda dos deuses, do surgimento de uma nova raça livre, está também a discussão da nossa identidade cultural, num momento em que o Brasil se encontra em muita evidência. O grande desafio é unir esse conceito moderno com o tradicional, o clássico que é minha formação como diretor especializado em ópera", completa. "E quando nos damos conta de que vamos estar no mesmo palco que, em 1922, abrigou a Semana de Arte Moderna, que também discutiu à sua maneira a identidade nacional, o conceito se fechou na minha mente."E como esse conceito se traduz em cena? Primeiro, os cenários. "Cada ato terá um foco específico. No primeiro ato, que se passa no mundo dos homens, a ideia é retratar a São Paulo do século 21, o conceito de modernidade. Já no segundo ato, quando estamos na morada, no refúgio dos deuses, a influência principal é o século 19, o século de Wagner, que ainda influencia profundamente nossa vida cultural. E, no terceiro ato, quando caem os heróis, cujas almas são levadas pelas valquírias, o folclore ganha protagonismo na cena."Para cada ato, há também símbolos e temas que serão desenvolvidos. No primeiro, Heller quer falar da imigração. No segundo, da herança da cultura católica, da religiosidade, "em um diálogo com o universo ibérico e também com o Nordeste brasileiro". O fogo será a presença fundamental no terceiro ato.

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