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Reinvenção Constante

Antonio Meneses e Cláudio Cruz recriam concerto de Edward Elgar em gravação inédita

Por João Marcos Coelho
Atualização:

"Solista e maestro brasileiros gravando com uma orquestra inglesa, a Northern Sinfonia, o concerto para violoncelo de Edward Elgar? Não seria ousadia demais?", perguntou Antonio Meneses a Cláudio Cruz entre um e outro gole de café no futurista Hall One do Sage Gateshead Center, no intervalo das sessões de estúdio, em janeiro passado. A resposta veio rápida: "Não tenho o menor problema; talvez, se tivesse uma carreira mais consolidada internacionalmente, eu ficasse preocupado. Mas estou tranqüilo". Dá uma risada e completa: "Tenho a ousadia dos iniciantes". Pois fiquem sabendo que não só eles gravaram o concerto de Elgar como vão ainda mais longe: desconstroem tradições interpretativas britânicas de décadas. É o violinista-maestro Cláudio Cruz, 45 anos e spalla da Osesp, quem dá as pistas: "Há algumas tradições discutíveis de interpretação que se perpetuaram com o passar dos anos. No final, por exemplo, retarda-se muito o pulso, e tudo vira um muro de lamentações. Nossa leitura é mais literal, mais próxima do texto. Ficamos propositalmente distantes do clima operístico, de tragédia grega. Assim, o impacto fica ainda maior".Ele tem razão. O CD, do selo inglês Avie, ainda não foi lançado no mercado internacional, o que deve acontecer em maio próximo. Será uma boa ocasião para avaliar o grau de chauvinismo da crítica britânica perante a inovadora leitura de Meneses/Cruz. Seja pelos andamentos mais rápidos, seja pela regência seguríssima e, sobretudo, pelo violoncelo cada vez mais aveludado de Antonio. Poucos diziam, mas durante bom tempo ele às vezes apresentava problemas de afinação. Hoje, sua afinação é soberba. E o fraseado, a construção da evolução dinâmica, continuam irretocáveis. Com isso, ele atinge um grau elevadíssimo de qualidade na performance. Como demonstrou no concerto com o pianista José Feghali terça-feira passada, na Sala São Paulo (uma versão deslumbrante da sonata opus 40 de Shostakovich), e, na quinta, com Marin Alsop e a Osesp, numa superadocicada interpretação do concerto de Dvorák. Na gravação de Elgar, estas qualidades superlativas da plena maturidade mais uma vez se comprovam. Mas o CD, que será lançado nos próximos meses no Brasil pelo selo Clássicos, traz outro atrativo: uma primeira gravação mundial do concerto para violoncelo do compositor austríaco Hans Gál. A Avie já lançou boa parte de sua produção em primeira mão - sinfonias, outros concertos, música de câmera e a integral para piano em três CDs. "Fomos à casa da neta do compositor", diz Cláudio. "Antonio tocou com acompanhamento de piano. A peça é absolutamente romântica, rapsódica e bem concertante." Meneses concorda. "Meu entusiasmo maior é por este concerto inédito. É difícil entender como uma obra dessas permaneceu inédita. É de primeira grandeza. Música difícil de tocar, mas a maior exigência é a de expressividade. Há outros concertos em que você recorre à virtuosidade para interpretá-los. Aqui não." Novas ideias. Na excelente conversa com Eva Fox-Gál, neta do compositor reproduzida no folheto do CD, ela pergunta se Elgar soa diferente quando justaposto a Gál. A resposta de Menses: "Sim, há algumas coisas que ouvi em Gal que influenciaram minha interpretação de Elgar. Novas ideias, especialmente o andamento. Em geral tocam-se algumas partes muito devagar, acentuando uma visão melodramática deslocada. Se você olhar a partitura, tudo está anotado precisamente, como no concerto de Gal, também muito detalhista. Eu vi o manuscrito original de Elgar. Ele escreveu muitas coisas a lápis por causa da pioneira gravação de 1920, porque ele sabia que funcionaria melhor daquele jeito. Ele indicou claramente como a peça deveria ser tocada".Cláudio, que com este CD dá o salto internacional mais significativo em sua brilhante carreira de regente, arrisca-se mais, afirmando que em seu concerto Gál tem momentos mais elaborados e belos do que o de Elgar : "O andante, segundo movimento do concerto de Gál, é lindíssimo; e o último, Allegretto vivace e con spirito, é rapsódico, uma incrível fantasia musical". Ele recém-assumiu a direção artística da Orquestra Jovem do Estado de São Paulo. Autodefine-se como "maestro brigador". Empenhado, comprometido, em outras palavras. Mas, sobretudo, musicalmente admirável.

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