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Regionalização mostra sua eficácia

Por Agencia Estado
Atualização:

A dança não pode ir tão bem quanto devia e podia num país que não lhe destina recursos e tampouco um projeto de política cultural. Aqui, um festival da importância do Panorama RioArte de Dança Contemporânea corre o risco de ser interrompido porque o Ministério da Cultura informa, depois dele iniciado, que a irrisória verba de R$ 60 mil que havia sido verbalmente concordada não mais lhe será destinada. Talvez esse seja o melhor exemplo do tratamento desrespeitoso que a dança brasileira vem recebendo do Minc e a ele podem ser acoplados vários outros, como a destinação da mesma quantia de R$ 60 mil do Fundo Nacional de Cultura para a parte infantil do Festival de Joinville (qual o critério? Quem decide que esta é a prioridade para este tipo de verba?), ou o não cumprimento seguido da promessa do Projeto Cena Aberta, menos equivocado que o de 1998. Como disse José Celso Martinez Corrêa, em entrevista à revista Caros Amigos de setembro: "Esse é um ministério de repasse contábil de dinheiro público para empresas. Ele simplesmente aprova os projetos. Quem decide não é quem faz a cultura." Hoje, já há volume suficiente de dados para diagnosticar uma política cultural reduzida às Leis de Incentivo como impeditiva do desenvolvimento saudável das artes brasileiras. Apesar da torcida contra do governo e de seus instrumentos de distorção, a dança brasileira continuou florescendo, graças ao esforço individual dos envolvidos na sua produção - situação da qual não devemos nos ufanar, pois se apóia exclusivamente em sacrifícios pessoais. Será que continuaremos a contar com algo da importância do Terças de Dança, atividade realizada pelo Estúdio Nova Dança, que há cinco anos escoa e irriga a produção de ponta em São Paulo? Ou será que o modelo que prevalecerá é o que o mercado aplica ao Ballet Stagium que, iniciando o seu 30.º ano de atividades permanentes com a melhor criação de Décio Otero em tempos recentes (À Margem dos Trilhos), e depois de haver modificado a dança deste país, continua sem patrocínio integral, ao passo que seu valoroso trabalho social conta com a necessária garantia de sobrevivência? Estaria ocorrendo, por parte das empresas, uma alarmante migração de interesse do marketing cultural para o social? A atitude da Shell poderia ser entendida como um sintoma, quando anunciou que a troca do seu pioneiro patrocínio do Grupo Corpo pelo de projetos sociais se devia a uma mudança de objetivos? Embora o tamanho do nosso país continue funcionando mais como impedimento do que como o estímulo que deveria ser para a circulação da informação e conseqüente consolidação de um mercado, há traços, aqui e ali, de uma auspiciosa regionalização. Basta conferir a trajetória de companhias como o VilaDança (Salvador), Verve (Campo Mourão), Gestus (Araraquara), Cia. de Dança Balé de Rua (Uberlândia) ou o pólo de Fortaleza, com o Alpendre, a Bienal de Dança, o Andanças e o Colégio de Dança do Ceará. O futuro de tudo isso, contudo, pode ser antevisto nas dificuldades que acometem o Cena 11 (Florianópolis) e o Quasar (Goiânia), dois exemplos de competência e talento injustamente ameaçados por uma continuada ausência de recursos. Em Caxias do Sul, sob a direção de Sigrid Nora, a Cia. Municipal se expande e consolida, atestando que grupos oficiais podem burlar o velho modelão e dar certo. A gestão de Helena Severo diante da Secretaria Municipal de Cultura do Rio de Janeiro, que instalou um apoio continuado a companhias de dança, que hoje somam 11, infelizmente não contaminou outros secretários. O resultado pode ser aferido no vigor da produção carioca, que voltou a ocupar uma posição de destaque no País. Companhias como as de Lia Rodrigues, Regina Miranda (que completou 20 anos), João Saldanha, Marcia Milhazes, Carlota Portela, Rubens Barbot, Paula Nestorov, Paulo Caldas, João Carlos Ramos, Andrea Maciel e Renato Vieira, desfrutam de um pequeno mas indispensável apoio. Infelizmente, a de Marcia Rubin, por exemplo, ainda não foi acolhida, o que salienta a injustiça sempre presente em qualquer escolha. Em São Paulo, o trabalho do Centro Cultural São Paulo merece ser destacado. Em época de encolhimento de oportunidades, a sua programação vem funcionando como um oxigênio indispensável. Nesse sentido é que a suspensão do Movimentos de Dança do Sesc precisa ser lamentada. E as quartas-feiras do Sesc Pinheiros, que já conquistaram estabilidade pela pertinência da sua curadoria, devem ser estimuladas, bem como o novíssimo espaço das segundas, aberto na Casa das Rosas, com coordenação de Lenira Rangel. Quanto ao eixo em torno do Estúdio Nova Dança, com suas três companhias, merece muito mais do que têm recebido suas diretoras Tica Lemos, Christiane Paoli-Quito e Adriana Grecchi, incansáveis no papel de produtoras e difusoras de conhecimento. O desamparo também vitima artistas como Vera Sala, Helena Bastos e Raul Rachou, João Andreazzi, Marta Soares (recém-contemplada com uma prestigiosa bolsa Gugghenheim), Sandro Borelli, Claudia de Souza, Mariana Muniz, Mario Nascimento, Lu Gontijo e Margô de Assis, Adriana Banana, Eva Schul, Frederico Paredes e outros aqui nomeados como representantes de tantos outros na mesma situação. Mesmo assim, todos continuam a criar, domesticando o futuro com a sua teimosia em resistir. Quanto a 2001, parece trazer algumas poucas mudanças. Os dois mais importantes festivais profissionais, o FID, de Belo Horizonte, e o Panorama RioArte, do Rio de Janeiro, aproximarão as suas datas para formar um eixo distribuidor, esforço ao qual também se reunirá a Mostra Internacional do Sesc São Paulo. Assim, atrações como Boris Charmatz, este praticamente confirmado, poderão circular pelas três capitais. O Kirov Ballet e o Nederlands Dans Theatre devem voltar ao Brasil, além de Pina Bausch, que aqui estréia, em agosto, a nova produção que faz de nós o seu tema. A grande novidade talvez esteja no convite recebido pela Lia Rodrigues Cia. de Dança, que, em setembro, será acolhida pela de Maguy Marin para uma residência em Lyon, França. Se aqui não acontece, outros percebem e investem na nossa dança, como é o caso do governo francês, que destinou 100 mil francos para esse projeto. Se a validade dos pedidos para Papai Noel não vence na manhã seguinte, que o novo ano inaugure novos pensamentos no comando da cultura brasileira.

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