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Reforma tira Paço das Artes da lama

Obra que deve ser concluída em outubro recupera bases antes assentadas em terreno pantanoso e abre nova fase para a instituição

Por Agencia Estado
Atualização:

Às vésperas de completar 30 anos, o Paço das Artes está prestes a entrar numa nova fase. A instituição acaba, literalmente, de tirar os pés da lama. Graças a uma reforma iniciada no mês passado, que deve estar concluída em outubro, a sede da galeria pública dedicada à arte contemporânea deixou de ter suas bases assentadas sobre um pântano - que fazia minar suas estruturas, prejudicava sua segurança e ainda provocava o acúmulo de lixo -, terá suas instalações ampliadas e ganhará um estacionamento exclusivo. Todos esses trabalhos vêm sendo realizados por meio de criativas parcerias com a iniciativa privada e terão reflexos não apenas em seu aspecto físico, mas em sua estrutura de funcionamento. Além de retirar a água de seu entorno, o prédio foi murado, o mato retirado e, em breve, começarão os trabalhos para finalmente, transformar a área no subsolo do prédio situado na entrada da Cidade Universitária em espaço aproveitável. Uma das idéias que promete dar o que falar é utilizar os 2 mil metros adicionais (o que duplica o tamanho da instituição) para a realização da primeira feira de arte contemporânea do País, já que a área não deve ser utilizada, pelo menos inicialmente, como espaço expositivo. O belo salão ocupado pelo Paço desde 1994 é mais do que suficiente para abrigar a intensa agenda programada pela instituição. Na verdade, o Paço foi fundado em 1970, mas perambulou por três espaços temporários até conseguir sua sede definitiva. Mesmo a mudança para este espaço foi cheia de percalços, já que o mirabolante e gigantesco projeto original de 80 mil metros quadrados dedicados a um amplo leque de expressões artísticas viu-se reduzido a um complexo inacabado. A instituição, que tem um papel distinto de museus (por não ter acervo) e galerias (por não vender as obras que expõe), desenvolve um importante papel no fomento, divulgação e reflexão sobre a produção artística neste fim de século. Pode-se dividir as iniciativas do Paço em três categorias básicas. O seu forte são as mostras temáticas, como Excesso (1996), Ao Cubo (1997) ou Por que Duchamp? (1999), que se debruçam sobre uma determinada questão da produção contemporânea, com uma visão curatorial acurada. Projetos - A instituição também abre espaço para artistas de peso no cenário nacional e internacional - entre as próximas atrações planejadas pelo Paço estão grandes exposições de Arthur Barrio e Gordon Matta-Clark - e, principalmente, para a jovem produção. A cada ano são organizadas várias exposições para a Temporada de Projetos, reunindo o trabalho de artistas selecionados a partir da análise de portfólio, que são contrapostos às obras de artistas convidados pela instituição. Para financiar as reformas, a equipe que coordena o espaço vem fazendo milagres e multiplicando por meio de parcerias a verba que obteve na Secretaria de Cultura do Estado, órgão responsável pelo Paço. Se, há alguns anos, havia uma dependência absoluta em relação a essas dotações, atualmente a instituição consegue a maior parte de seus recursos com a iniciativa privada. Além da verba de custeio normal (R$ 300 mil ao ano), o governo teve de contribuir até o momento com apenas R$ 36 mil para a reforma. "Pretendemos atuar na borda da contemporaneidade e esse segmento tem muita dificuldade de captar recursos", explica Daniela Vitória Bousso, que dirige a instituição desde 1997. Ela lamenta que a arte contemporânea tenha essa fama de "feia, insólita", mas sua expectativa é de, as poucos, vencer resistências e conquistar aliados. Propondo um novo mecanismo de financiamento, que combina recursos públicos e privados, Daniela critica a forma como as coisas vêm sendo feitas até agora no campo do mecenato cultural. "A forma de captar recursos me parece muito pouco profissional, um toma lá dá cá entre as elites." Soluções - A nova estratégia tem rendido resultados. O engenheiro e administrador Soly Harari, que há alguns meses assumiu a coordenação de Produção do Paço, conta com orgulho como conseguiu soterrar a área pantanosa que circundava o prédio sem ter de desembolsar dinheiro. O custo dos serviços de terraplenagem seria superior a R$ 100 mil, mas as empresas fizeram esse serviço gratuitamente e, em troca, puderam depositar no local a terra que retiraram de outras construções, reduzindo drasticamente o custo do transporte. "Para nós, a palavra comprar não existe", brinca. A equipe comemorou como quem acaba de marcar um gol a decisão da Votorantim de doar o cimento necessário para concluir as reformas previstas para essa primeira etapa. O trabalho Obra Inacabada, que Carlos Miele apresenta no local, parece uma metáfora interessante para a atual situação da instituição. Trata-se de um buraco na parede, emoldurado por uma tela de computador, que permite ver para além do espaço asséptico da instituição cultural o aspecto ainda depauperado de seu entorno. Mas, por essa janelinha, é possível acompanhar apenas uma pequena parte da evolução dos trabalhos, já que - por carência de recursos - o Paço está concentrando as reformas no subsolo da galeria e em seu entorno imediato. A enorme área à direita do prédio foi saneada mas, se não aparecer nenhum parceiro interessado em participar de um projeto de recuperação e utilização do espaço, é possível que tanto o terreno como o prédio inacabado, que acabou sendo apelidado de "o esqueleto da USP", sejam devolvidos à administração da Cidade Universitária. Convém esclarecer que o Paço apenas ocupa uma área na USP, mas não depende da universidade. Além de construir um estacionamento com capacidade para cem carros, a idéia é concluir o anfiteatro já projetado pelo arquiteto Jorge Wilheim para organizar uma programação de música de camerata, regida por um compositor de vanguarda, e locar o espaço excedente para iniciativas congêneres que permitam à instituição obter mais recursos para garantir sua subsistência. Feira - Uma das idéias de Daniela - a qual, segundo ela, já encontrou eco entre as principais galerias do País - é utilizar esse espaço para realizar a primeira feira de arte contemporânea do País. Afinal, é crescente o mercado para essa produção mas os marchands têm de ir para a Europa ou os Estados Unidos se quiserem participar de eventos do gênero. A previsão da crítica de arte e curadora é que a reforma esteja concluída em outubro deste ano. "Com R$ 300 mil, fazemos uma programação legal, mas poderíamos fazer muito mais", ambiciona. Uma das fontes garantidas de recursos seria a feira de arte contemporânea, com alcance não apenas brasileiro, mas latino-americano. As principais galerias do gênero no País já foram consultadas e outras personalidades importantes do setor, como o curador Paulo Herkenhoff e a produtora de eventos Frances Marinho, acham que o projeto tem tudo para dar certo. É difícil pensar em lucro numa primeira edição (provavelmente no fim deste ano, início do próximo) mas, a partir do segundo ano, o evento pode ajudar o Paço a financiar suas ambições. E não são poucas. Até o ano passado, a instituição recebia de 4 a 5 mil pessoas por mês. Hoje, esse número oscila entre 6 e 7 mil. "Até o fim da gestão (que termina no início de 2003), quero o Paço terminado, rendendo dinheiro e, quem sabe, recebendo de 11 a 12 mil pessoas ao mês." Outra ambição de Daniela é tornar o Paço uma referência no Brasil e no exterior, transformando a instituição num importante centro de documentação, reflexão e fomento da produção artística de forte viés tecnológico.

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