Reconhecimento em vida no centenário do 'antipoeta'

Nicanor Parra é festejado mundialmente; hoje, a partir das 19h30, poetas falam sobre a obra dochileno na Casa das Rosas

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Por RICARDO CORONA
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O poeta chileno Nicanor Parra é avesso a comemorações e procura manter-se taticamente afastado das rodas literárias. Mas nem de longe é um autor à margem. Ao contrário: é freguês na lista dos candidatos ao Nobel, o primeiro volume da sua obra completa saiu em 2006 e o segundo, em 2011, ano em que recebeu o Prêmio Cervantes. Estreou em 1937 e é autor de mais de duas dezenas de livros, entre os quais, a gosto, destaco: Poemas y Antipoemas (1954), Artefactos (1972), Cachureos, Ecopoemas, Guatapiques, Últimas Prédicas (1983), Chistes para Desorientar a la Policía (1983), Poemas para Combatir la Calvície (1993), Versos de Salón (1996), Discursos de Sobremesa (2006). Apesar de inexplicavelmente inéditos em livro no Brasil, seus poemas têm sido traduzidos para outros idiomas e por diferentes poetas, dos beatniks aos poetas doutos da academia. No dia 5, o poeta completou 100 anos e homenagens têm sido feitas em vários países. Trata-se de um autor que está gozando em vida o seu merecido prestígio. Porém, estamos falando de Nicanor Parra. Isto altera um pouco o contexto e acelera por demais o coração dos paraninfos porque o autor é da estirpe dos que zombam e/ou negam essas nugacidades. Como Dalton Trevisan, J. D. Salinger, entre outros, salvo cabais diferenças, os salamaleques não apaziguam a ressonância de dizer não ou de amarelar o riso disso tudo. No caso de Nicanor Parra, basta que se lembre do seu uso da preposição e prefixo da língua grega: 'anti'. Este significado e indicação de contrariedade, de oposição ou simplesmente do contra, utilizado como prefixo em várias palavras para indicar exatamente aquilo que é o contrário das palavras em que se utiliza, estabelece a medida, o ingrediente para uma autoironia, deixando evidente que as láureas não são apenas para um dos poetas mais importantes da língua espanhola, mas para o autor que sustentou de maneira singular o que chamou de antipoesia. É válido que assim seja: um reconhecimento em vida para um 'antipoeta'. Para uma poesia que explora a dessacralização da realidade através do burlesco, da ironia, da apropriação da fala comum e/ou sofisticada que nasce muitas vezes da homilia das crianças - sobretudo, nestes tempos centenários do poeta. Os modos dessa burla poética-corrosiva da sátira e do humor negro a deixa imune a toda prova. Sua contaminação do poema pelo uso de frases feitas, de formas de advertência, de textos feitos notícia, aviso comercial, relato jornalístico, informe científico ou acadêmico, é demolidora. Isto sem esquecer o tom professoral. Parra, ao irradiar humor e sarcasmo poéticos, ridiculariza ideias e condutas, operando uma desarticulação de tudo o que é levado a sério, seja político ou poético, solene ou trágico. Que venham todas as homenagens e, entre nós, que sirvam então para que sua poesia migre para a língua portuguesa. Sobretudo que se leiam os seus 'artecfatos', cujos trabalhos transcendem o âmbito da escrita e se mesclam em imagem e palavra, aproximando texto poético e linguagem de cartum. RICARDO CORONA É POETA, TRADUTOR E AUTOR DE CUERPO SUTIL (CALYGRAMMA, MÉXICO)

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