A artista Rebecca Horn, que une em suas criações contundência e sutileza. Fábio Motta/AE
Camila Molina - O Estado de S. Paulo
RIO - Os paradoxos têm violência delicada no universo de Rebecca Horn: a artista alemã, um dos nomes consagrados da arte contemporânea, consegue unir em suas criações contundência e sutileza, realismo e certa magia surrealista, utopia e erotismo, política e lirismo, o alargamento e diminuição da escala. Rebecca, que apareceu no sábado no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) do Rio de Janeiro para falar com a reportagem do Estado, estava com seus característicos cabelos longos vermelhos amarelados, se mostrando objetiva em seus pensamentos e compromissos, mas seus olhos azuis e sua fala expressavam simpatia e simplicidade. Até mesmo o título da exposição que ela inaugura na quinta-feira no CCBB do Rio, Rebelião em Silêncio, carrega em si a raiz da velada e leve contradição da poética da artista.
Uma das pioneiras do uso da tecnologia já nos anos 1970, Rebecca Horn, nascida em 1944, já criou uma máquina que dá a possibilidade de uma pessoa ganhar asas com penas de pavão, mas também o Concerto dos Suspiros, instalação com restos de escombros, funis de ouro e música. Ergueu um piano de ponta-cabeça de onde saem o que seriam as entranhas do instrumento em Concerto para Anarquia e aprisionou simplesmente uma borboleta azul-turquesa em uma redoma de vidro. Só agora o público brasileiro tem a oportunidade de se confrontar com os "paraísos artificiais" de Rebecca Horn e sua linguagem em que os elementos estão sempre indo e vindo pelas mais diferentes criações, nesta que é sua primeira exposição no Brasil.
Rebelião em Silêncio é uma retrospectiva da tão variada produção da artista (há pouco, por exemplo, ela acabou de dirigir a ópera Elektra, de Strauss, apresentada em Wiesbaden, na Alemanha), perpassando 35 anos de trajetória. Por 13 salas expositivas do CCBB carioca estão seus filmes, instalações e objetos, apresentando suas passagens pela performance, o cinema, a escultura, a escrita, a música. A mostra é uma versão da exposição que Rebecca exibiu no ano passado no Museu de Arte Contemporânea de Tóquio, trazida pelo curador, produtor e diretor de documentários Marcello Dantas. Desde 1998 ele tinha o projeto de fazer no País uma exposição da artista que, apesar de seu porte, nunca esteve numa Bienal de São Paulo, museu ou galeria brasileira. Por enquanto, segundo o curador, que já realizou exposições de outros ‘medalhões’ como Anish Kapoor e Gary Hill, a mostra de Rebecca Horn só será apresentada no Rio. Para a abertura, a artista vai realizar na quinta-feira, às 18h30, uma espécie de palestra-performance sobre sua obra e poética, acompanhada pelo músico inglês Hayden Chisholm.
Conexão. O primeiro impacto com a mostra já se dá no hall central do edifício do CCBB, com a obra O Universo em Uma Pérola. O visitante vai olhar para o alto e se deparar com um monstro delicado, um grande escultura dependurada formada por espelhos, funis agigantados de ouro e projetores, que fazem expandir a cor azul no topo da obra, uma esfera, que seria a pérola. Suspensa, a instalação pode ter um leve movimento e ainda promover a reflexão e o afunilamento da imagem do espaço e do espectador que, dependendo do ângulo, pode até mesmo ficar zonzo.
"Algo muito pequeno (a imagem simbólica de uma pérola) se transforma em um universo. Essa obra é sobre energia, a maneira como você se conecta com a escultura. Isso sempre acontece nas minhas instalações, essa relação do corpo com o corpo da obra", diz Rebecca. Mas, ao mesmo tempo, uma conexão com a obra dela pode até despertar o medo, como em Sala da Destruição Mútua, trabalho sobre "o amor e o ódio" formado por dois espelhos frontais, cada um deles com uma pistola (que simulam o disparo).
Narrativas. A alemã iniciou sua carreira na década de 1970, realizando performances. "Eram uma espécie de ritual, com poucas pessoas. Eu construía esculturas de corpo e chamava meus amigos a participar", conta Rebecca. Mas em 1972, quando convidada a participar da 5.ª Documenta de Kassel (e ela era a artista mais jovem da mostra), o curador Harald Szeemann pediu que apresentasse também documentação de suas performances. Assim ela começou a filmar as ações e fez sua passagem para o cinema, tão emblemático em sua carreira, a ponto de criar e dirigir, em 1990, o longa-metragem Buster’s Bedroom, estrelado por Donald Sutherland e Geraldine Chaplin.
As obras cinematográficas de Rebecca serão exibidas em três espaços, todos eles remetendo a salas de cinema, mas sempre dentro do próprio percurso da exposição - na linguagem da artista, os elementos e temas estão sempre conectados. Completa ainda sua relação com a sétima arte a instalação Times Goes By, paisagem surrealista feita com 40 mil metros de filmes hollywoodianos e binóculos.
A repórter viajou a convite da produção da mostra
Rebecca Horn - CCBB-Rio. R. Primeiro de Março, 66, (21) 3808-2020. 10h/ 21h (fecha 2ª). Grátis. Até 18/7. Abertura quinta