Realismo fantástico faz a magia de 'As Meninas'

Texto de Maitê Proença, baseado em tragédia pessoal, tem direção de Amir Haddad e ótimo elenco

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Por Beth Néspoli
Atualização:

Peça traz elementos do universo poético feminino. Foto: Sandra Delgado/Divulgação

 

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SÃO PAULO - A julgar pela leitura do texto e pela experiência e talento dos artistas envolvidos vem aí um espetáculo com potencial para comover e fazer rir a um público bem amplo. Dirigida por Amir Haddad, a montagem da peça As Meninas estreia nesta quinta, 11, no Teatro Cultura Artística depois de cumprir temporada de sucesso no Rio, o que provavelmente vai se repetir na metrópole paulistana.

 

Em parceria com Luiz Carlos Góes, Maitê Proença é a autora do texto corajoso, na medida em que tem como matéria-prima uma tragédia pessoal, mas igualmente inteligente, pois se afasta completamente de qualquer tom melodramático. A ambientação da peça é um velório e o ponto de vista da narrativa é de duas meninas de 12 anos, Rubi e Luzia, respectivamente filha e sobrinha da morta, assassinada pelo marido, pai de Rubi. O texto surpreende pelo humor alcançado e, mais ainda, pela liberdade poética: não só a defunta - cansada da posição - se levanta e conversa, como podem sair ainda do caixão avós, cartomantes, antigas empregadas, como se fosse uma espécie de túnel entre vida e eternidade.

 

Rubi é interpretada por Sara Antunes, atriz cujo talento os paulistanos conhecem por espetáculos como o premiado Hysteria, do Grupo XIX, do qual é fundadora. A experiente Analu Prestes, de atuações brilhantes como na trilogia da memória de Naum Alves de Souza, é a avó conservadora, desenhada pela autora de forma bem-humorada, num retrato que resvala a madrasta dos contos infantis. Clarisse Derzié Luz (quem viu não esquece sua impagável viúva rodriguiana em montagem do Grupo Tapa) se reveza em vários papéis. "A mãe é interpretada por Vanessa Gerbelli, que é muito boa atriz e Patricia Pinho está muito bem, ela dá o tom de humor com sua interpretação de Luzia, é muito engraçada, mas na medida", completa Amir Haddad.

 

"Eu as dirigi com muito cuidado, porque a peça se dá num universo feminino, um mundo delas, sobre o qual sabem muito mais do que eu sei. Eu sou dos homens que matam as mulheres, elas das que se deixam matar", brinca Amir. Ele elogia a estrutura não realista do texto e busca valorizá-la na montagem. "Construí a encenação sem nenhuma chatice psicológica. Não quero que seja pessoal, subjetivo, mas poético", diz. "E sem truques. Como espectador gosto de teatro que respeita a minha inteligência. Detesto o teatro que me pressupõe burro, só os artistas sabem o que estão fazendo. Para colocar um morto em cena não é preciso alçapão, nada disso. Eles estão lá e pronto. Circulam livremente pela vida. O público entende. Para a magia se estabelecer não é preciso o mistério", afirma.

 

E também não é necessária uma investigação muito profunda para descobrir a fonte de tal pensamento sobre a cena. Depois de ter recebido muitos prêmios no teatro convencional nas décadas de 60 e 70, Amir Haddad fundou e dirige há 25 anos o Tá na Rua, um grupo que se dedica integralmente ao democrático teatro a céu aberto. Nessa forma teatral a barreira entre espectador e artista se rompe, os procedimentos de montagem são visíveis, tende-se a uma horizontalidade de relação. "Dramaturgia sem literatura, ator sem papel, teatro sem arquitetura - a rua me deu essa liberdade. Ali o espetáculo não desce do céu, num download, mas vai da terra ao céu, e para todos, sem distinção de classe social. E quando volto ao edifício teatral não me submeto mais à sua verticalidade."

 

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Assim, os atores entram pela plateia e o espectador não é chamado a interagir diretamente, mas também não é ignorado, ele ‘está’ no velório, onde há até samba, uma vez que a música, outro elemento caro ao teatro de rua, está presente. "As atrizes cantam muito bem." O cenário, painéis giratórios, tem como objetivo agilizar a cena. "E também tirar espaço e tempo. Não é o mundo que faz o espetáculo. Ele cria um mundo."

 

Serviço

As Meninas. 80 min. 14 anos. Cultura Artística Itaim (303 lug.). Av. Presidente Juscelino Kubitschek, 1.830, Itaim Bibi, 3078-7427. 6.ª, 21h30; sáb., 21 h; dom., 18 h. R$ 60 e R$ 70 (sáb.). Até 2/5

 

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