Rê Bordosa retorna em edição de luxo

A mais junkie personagem da HQ nacional, criada por Angeli em 1984, volta à famosa banheira e tem suas aventuras relançadas pela editoras Devir e Jacaranda

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Por Agencia Estado
Atualização:

Viva, ainda que cambaleante, ela começou a incomodar seu criador, o cartunista Angeli. Morta, passou a assombrá-lo, com aparições aqui e acolá. Ícone nos anos 80, Rê Bordosa, que afogava suas mágoas no bar e seu corpo puído em uma banheira, retorna. Não em novas aventuras etílicas, mas em uma compilação de suas tiras e histórias produzidas entre 1985 e 87 numa edição de luxo especialmente colorida, Rê Bordosa, Vida e Obra da Porraloca (Editoras Devir e Jacaranda, 48 págs., R$ 18). Quem conheceu a figura tem a chance de matar a saudade dos excessos cometidos pela junkie balzaquiana, já a molecada pode conhecer a vida da mulher que faria Courtney Love parecer uma carmelita descalça. Depois do sucesso em tiras de jornal no início dos anos 80 e de ser a primeira capa da hoje antológica revista Chiclete com Banana, em 1985, Rê Bordosa teve sua morte decretada. Assim como o americano Robert Crumb matou em 1972 uma de suas principais criações, Fritz, the Cat, em dezembro de 1987 o cartunista Angeli afirmou que não iria se tornar escravo de sua personagem. Ele não queria vê-la se transformar numa versão underground da Mônica, de Maurício de Sousa. Rê Bordosa estaria encobrindo suas outras criações. Sua morte, uma "edição de luto" da Chiclete, vendeu mais de 100 mil exemplares. Desde então a única história inédita com a personagem havia saído em 1997, na revista Memórias da Porraloca, em que Angeli batia o pé dizendo que ressuscitara Rê Bordosa, mas estava apenas relembrando sua peregrinação notívaga pelos bares da cidade. Não só as mulheres, que tinham seu universo devassado nas tiras, mas também os homens se idenficavam com sua vida. Sempre adernada por uma garrafa de vodca, dormindo com desconhecidos e acordando nos lugares mais estranhos, Rê Bordosa viveu numa época em que a liberdade sexual apenas começava a ser sufocada pela Aids. Muitos também apostaram que ela só poderia morrer por causa de alguma doença venérea ou de cirrose. Angeli foi ainda mais cruel: a personagem morreu de tédio. Rê Bordosa se casa - algo impensável para ela - com o velho companheiro de balcão, o garçom Juvenal. Depois de algum tempo vivendo o cotidiano do matrimônio, e pesando mais de 90 kg, a velha alcoólatra simplesmente murcha. No quadrinho final, Angeli aparece para jogar em seu túmulo não uma pá de cal, mas uma dose de vodca. Calcinhas - A ironia da história é que o autor se queixava que queriam fazer até calcinhas da Rê Bordosa e, anos depois, o próprio licenciava personagens como Bob Cuspe, Wood & Stock e Os Skrotinhos para produtos como álbuns de figurinhas e cadernos escolares. Quanto à origem da personagem, é dito que ela nasceu no Bar Riviera, esquina da Consolação com Avenida Paulista, onde, não por acaso, havia um garçom chamado Juvenal. Vida e Obra da Porraloca traz Rê Bordosa na sua melhor (ou seria pior?) fase. Ela recebe em sua banheira as figuras mais estranhas, até mesmo o "copidesque de turfe" e ex-correspondente no Paraguai, o jornalista Benevides Paixão, outro personagem de Angeli. É dele uma entrevista exclusiva com a "porraloca", que acabou, literalmente, dando um caldo no candidato a Paulo Francis. Rê Bordosa morreu no papel, mas já havia inspirado músicas - Lord K lançou um disco em 87 com uma canção sobre ela e Rhalah Rikota, outra cria de Angeli - e ainda ameaçou aparecer no teatro, com uma peça escrita por seu criador e Mário Prata que seria dirigida por Cacá Rosset. O diretor, aliás, se transformou depois em personagem de Angeli, o hipocondríaco Hipoglós. Em 1996, a atriz Betty Erthal montou um espetáculo em que vivia a velha junkie e que foi apresentado no Bar Avenida, sob direção de Márcio Trigo. Hoje, Rê Bordosa corre o risco de renascer no cinema. Uma versão para as telas está em andamento sob os cuidados do animador gaúcho Otto Guerra, que já havia feito um longa com os personagens gays do quadrinista Adão Iturrusgarai, Rocky & Hudson, de 94. O filme, na verdade, é sobre os velhos hippies Wood e Stock, e terá como subtítulo Sexo, Orégano e Rock´n´Roll, mas Rê Bordosa fará algumas aparições. A voz da "porraloca" ficará a cargo de uma fã assumida: Rita Lee. Nada mal para uma personagem enterrada há quase 14 anos.

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