Rafael Primot, o criador incansável

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Por Ubiratan Brasil
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Rafael Primot fala rápido como Matheus, seu personagem na peça Inverno da Luz Vermelha, em cartaz no Teatro Faap. Parece cercado de uma urgência em se comunicar. As palavras brotam calmas, mas quase emendadas. Mas, se Matheus se agarra a essa necessidade para descobrir motivos para continuar vivo, Rafael é um criador em eterna ebulição - aos 28 anos, além de atuar, é diretor de cinema (depois de três curtas, prepara-se para rodar seu primeiro longa como diretor, Dois Macacos Mais Um), dramaturgo (ganhou o prêmio Shell por O Livro dos Monstros Guardados e já tem outro texto pronto para ser montado) e escritor (finaliza o romance Um Dia Ele Foi). "São diferentes formas de expor meu olhar sobre o mundo", justifica.Ele conversa com o Estado na brecha de sua agenda, depois de participar do teste para um comercial e antes de seguir para a Faap. Seu aperto de mão é tão leve que dificilmente amassaria um lenço de papel. O olhar é ligeiramente melancólico e não traz nenhum traço de um "candidato a celebridade" - em sua curta, porém intensa, carreira artística, Rafael trabalhou com os principais nomes da cena paulistana, como Antunes Filho, José Celso Martinez Corrêa e Eduardo Tolentino. Com todos, buscou o precipício artístico. "Não tenho medo de me arriscar."É o que explica sua participação em Inverno da Luz Vermelha, peça do americano Adam Rapp que mostra o desencontro de três jovens. Matheus, seu personagem, tenta o suicídio logo na primeira cena e sua vida só ganha sentido quando conhece Christine (Marjorie Estiano), brasileira que se faz passar por prostituta francesa na Holanda. Ela, no entanto, se encanta pelo amigo, David (André Frateschi), que a despreza. "A coesão do elenco era imprescindível para a trama e Rafael contribui com uma dramaticidade seca, limpa, emocionante", observa a diretora Monique Gardenberg.O ator é elíptico quando se trata de elogios, como uma pessoa que hesita em se entregar à vulgar efusividade. Os sentimentos existem, mas não dominam seus passos. É o que também se observa em seu trabalho como autor. Escrevendo em sua própria voz, ele não se sente constrangido em não realizar as vontades do leitor ou espectador. Na verdade, Rafael escreve como se o público fosse um hóspede não convidado, chegando na noite errada a uma casa escura. Ou seja, para incomodar e não acomodar.Basta observar a torturante rotina dos sete personagens de O Livro dos Monstros Guardados, peça montada no ano passado pelo diretor Zé Henrique de Paula, com Sandra Corveloni à frente do elenco. São sete monólogos que expõem a fragilidade humana. "Apesar de os personagens não se relacionarem entre si, todos reagem de alguma forma quando o outro está falando", conta Rafael, que tinha 23 anos quando iniciou a escrita. O primeiro impulso foi vencer a dificuldade que qualquer ator enfrenta diante de um monólogo. A estrutura não naturalista, porém, permite um profundo mergulho na arte teatral. "As histórias são contadas não só verbalmente, mas principalmente corporalmente", comentou Sandra Corveloni, na época. "Portanto, tivemos de construir uma partitura física que nos dê a sensação de quem é o personagem. É tudo por meio do impulso corporal."Descontrução. Apesar de o texto encenado ter sido fruto de um desconstrução do original durante o período de ensaios, persistiu a delicada realidade dos personagens, criados sob consistente estilo literário. Sim, a literatura pavimenta a obra de Rafael Primot. Fã de autores contemporâneos, como Paul Auster, ele busca força para combater seus medos. "A covardia não me paralisa - ao contrário, me obriga a dar um passo adiante", explica.Estava em seus genes ou foi a família que o encorajou? De qualquer maneira, ele sempre escreveu. Para Rafael, mais que uma arte, a literatura é uma energia, ferramenta para mudar o mundo. O romance que finaliza, por exemplo, Um Dia Ele Foi, acompanha a trajetória de dois irmãos criados pela avó. Certo dia, um deles viaja para a Europa e lá permanece, sem enviar notícias, apenas dinheiro. Passados 15 anos, ele retorna, agora como um travesti. "Como vai ser sua reintegração naquela casa é mote do drama", conta Rafael, que prepara as páginas finais.Há uma identificação pessoal com a trama. Nascido em Itapeva, no interior de São Paulo, Rafael logo veio para a Capital, onde se formou em cinema e trabalhou com boa parte da nata do teatro. Em seguida, mudou-se para o Rio, onde fez novela e minissérie (participou, inclusive, da ainda inédita As Cariocas, de Daniel Filho). Agora, planeja voltar a São Paulo. "Assim, eu me sinto uma espécie de sem-terra", conta. "Mas, nada surpreendente para alguém que gosta de se impor desafios."

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