
08 de janeiro de 2012 | 03h09
Estendeu a mão e...
- Huguinho!
- Quié, mãe?
- Não toque nessa rabanada.
- Mas, mãe.
- Ofereça para a dona Anita.
- A dona Anita já se encheu de rabanadas.
- E você, quantas comeu?
Huguinho tinha comido dez, mas não era hora de dar munição ao inimigo.
- Duas.
- Não minta. Vá oferecer pra dona Anita.
- Por quê?
- Porque ela é visita. Porque não fica bem alguém da casa comer o último pedaço, seja do que for. Porque a boa educação manda que a pessoa mais velha seja sempre melhor tratada.
- Quantos anos tem a dona Anita?
- Não interessa. Acho que uns 68.
- A dona Anita está comendo rabanadas há 68 anos. Eu, só há 12.
- Pois então? Ela está mais perto da morte. Tem menos tempo do que você para comer rabanadas.
- Mas já comeu muitas mais do que eu.
- Huguinho, pare de embromar e ofereça esta rabanada à dona Anita.
- Não, é sério. E se eu morrer nos próximos dois minutos?.
- Só se for de comer tanta rabanada.
- Eu posso muito bem cair morto neste instante. Ou daqui a 20 anos. De qualquer jeito, não terei a oportunidade de me igualar à dona Anita na quantidade de rabanadas consumidas em toda a sua vida.
- Huguinho...
- Eu só quero deixar claro que a proximidade da morte não pode ser critério. Teoricamente, todos aqui podem estar perto da morte. Mas há só uma rabanada.
- Ai, meu Deus. Por que nós fomos botar você numa escola experimental? Qual deveria ser o critério, então?
- Quem chegar na rabanada primeiro. E eu estava chegando.
- Ah é, Huguinho? A lei do mais forte, do mais rápido, do mais oportunista? Onde é que ficam a consideração pelos outros, as boas maneiras, a moral e a ética? Enfim, a civilização?
- Acho que nenhuma forma de civilização resiste a uma última rabanada.
- Você não aprendeu isto nesta casa, Huguinho, e espero que não tenha aprendido na escola. Agora chega de conversa e leve esta... Rabanada! Onde está a rabanada?!
O prato está vazio. Enquanto mãe e filho discutiam, alguém pegou a última rabanada sem ser visto. Fim de conversa.
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