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Quintanilha e o Brasil profundo

Novo álbum do premiado quadrinista sai pela Conrad Editora

Por Jotabê Medeiros - O Estado de S. Paulo
Atualização:

O niteroiense Marcello Quintanilha, autor de HQs nacionais mais premiado de 2009 (ganhou o Prêmio HQ Mix pelo álbum

Sábado dos Meus Amores

), está de novo nas bancas e livrarias. Seu mais recente trabalho,

Almas Públicas

(Conrad, 72 págs, R$ 39,90) mostra, por meio de flashes do cotidiano de gente comum das periferias das grandes cidades, uma visão ao mesmo tempo realista e poética do Brasil.

 

 

A travessia de uma balsa, o campinho da várzea, o craque de estimação de uma comunidade, o estigma que o homossexual carrega no mundo do "macho" de boteco, a senhora que vive uma vida alheia a bordo de sua máquina de costura Singer: nada escapa ao radar minucioso de Quintanilha, já um dos clássicos brasileiros das artes dos quadrinhos.

 

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Ele é cioso com seus personagens, e cuida rápido de esclarecer interpretações equivocadas. É o caso do personagem Tião Pomba-Gira, apaixonado por um colega homofóbico que, ao fugir dele num bar, morre atropelado. "É preciso que fique claro que o apelido Tião Pomba-Gira não se deve ao fato de esse personagem ser um pai de santo. Na verdade, não há nada que indique que ele tenha qualquer relação com nenhum culto afro-brasileiro", esclarece, a respeito de uma pergunta da reportagem. Na periferia, modos espalhafatosos ou escandalosos podem, eventualmente suscitar alguma comparação com os rituais da umbanda.

 

Quintanilha, de 40 anos, estreou nos quadrinhos em 1988, com histórias de terror e artes marciais publicadas na antiga Bloch Editora. No Brasil, publicou nas revistas General, Nervos de Aço, Metal Pesado e Zé Pereira. Há uma década, vive em Barcelona, onde publica pela editora belga Editions du Lombard, e é ilustrador freelance dos jornais El País e Vanguardia.

 

Há uma nostalgia calculada nos quadrinhos do artista, o que o impele, vez sim vez sim, para o Rio de Janeiro de meados do século 20. "Eu cresci em um ambiente que era, sob muitos aspectos, formado com o que sobrou dessa época. Os anos 70 e começo dos 80 em Niterói, significaram testemunhar continuamente a deterioração de um passado que teve seu esplendor nos anos 50", conta o artista. "Fábricas sendo desativadas, campos de futebol que já não abrigavam os jogos do campeonato local, antigos comerciantes fechando para sempre estabelecimentos que te transportavam para aquele tempo no mesmo instante em que você cruzasse suas portas. Eu me sentia parte daquele passado. Por outro lado, minha fascinação pelo cinema dos anos 40, 50 e 60 também me marcou de forma definitiva."

 

Na Europa, Marcello participou recentemente do filme de animação Chico & Rita, de Fernando Trueba e Javier Mariscal, na parte de criação de personagens e acaba de finalizar o sétimo álbum da série Sept Balles pour Oxford, ainda sem data para o lançamento.

 

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Em Almas Públicas, o autor juntou três histórias inéditas com três já publicadas, produzidas numa época em que ele assinava Marcello Gaú. "Todas as minhas histórias fazem parte de um mesmo universo, ou são concebidas sob um mesmo conceito, se você prefere. Mesmo as histórias do álbum anterior, por exemplo, poderiam estar mescladas neste novo trabalho. Assim, o objetivo foi, como sempre, tratar de temas que são interessantes para mim. No caso das histórias republicadas, elas são agora apresentadas em seu formato original."

 

A história trágica de Tião Pomba-Gira, destaque do álbum, projeta um certo gosto pela tragédia clássica, pelo teatro. "Eu reconheço que é inevitável certa implicação shakespeariana quando você lida com situações tão extremas como as de Granadilha. Mas que fazer? A tragédia está conosco até quando assoamos o nariz, ou apertamos o botão do elevador", pondera o autor.

 

Marcello Quintanilha colaborou com a página de quadrinhos do Caderno 2 no ano passado, e foi a primeira vez que manteve uma tira diária num jornal. Mantinha um ritmo de cronista, com microcontos em um espaço privilegiado, colorido. Se ajudou em alguma coisa no ritmo e em sua maneira de compor as histórias? "Foi uma experiência maravilhosa. Embora não tenha mudado em nada minha forma de compor histórias, trabalhei as tiras de forma muito intensa, principalmente porque não queria estar condicionado a um estoque de tiras, e esse tipo de coisa, por isso trabalhava normalmente de um dia para o outro. O conjunto do trabalho me deixou tremendamente satisfeito. A repercussão foi extremamente positiva em muitos sentidos."

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MARCELO QUINTANILHA

desenhista e roteirista de histórias em quadrinhos

Nasceu em 1971 Niterói e estreou nos quadrinhos em 1988, com histórias de terror e artes marciais publicadas pela Bloch. Lançou em 1999 o primeiro álbum, Fealdade de Fabiano Gorilla, ainda com o pseudônimo Marcello Gaú. Hoje vive na Espanha, onde trabalha na série de HQ Sept Balles pour Oxford, da editora belga Editions du Lombard.

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