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Questões de sexualidade e afetividade inspiram nova edição da mostra Todos os Gêneros

Programação do evento, promovido pelo Itaú Cultural, é diversificada e inclui conversas com formadores de opinião, artistas, ativistas e pensadores convidados

Foto do author Ubiratan Brasil
Por Ubiratan Brasil
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A discussão sobre gênero tornou-se essencial na sociedade moderna, uma vez que novos rumos na forma de ser e agir vêm sendo tomados pelos seres humanos, sempre em busca de uma maior pluralidade. Por conta disso, o Itaú Cultural criou uma mostra que pretende discutir, por meio de várias artes, as questões de sexualidade, corpo e afetividade. E, na sétima edição de Todos os Gêneros: Mostra de Arte e Diversidade, que começa nesta segunda, 24, o foco estará voltado para o homem e suas diversas formas de entendimento e comportamento.

A programação é diversificada e inclui conversas com formadores de opinião, artistas, ativistas e pensadores convidados, como Tiago Koch, criador do projeto Homem Paterno. Será possível também assistir a espetáculos como Barrela, peça escrita por Plínio Marcos em 1958 e agora encenada pela companhia Cemitério de Automóveis, cujo enredo trata da violência sexual nos presídios masculinos. Haverá ainda cenas de dança e teatro feitas a partir do pensamento sobre a masculinidade recebida e a masculinidade criada.

Bernardo de Assis. Encena o espetáculo 'Filho Homem'. Foto: Itaú Cultural

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A mostra, que poderá ser inteiramente acompanhada online pelo site da instituição (www.itaucultural.org.br), começa às 18h30 desta segunda com Filho Homem, espetáculo teatral de Bernardo de Assis que trata de violência, amor e a descoberta da transexualidade. Até domingo, 30, o público terá à disposição um cardápio eclético de atividades até o encerramento, com os shows permeados pelo universo musical queer do rapper Rico Dalasam e do cantor Ciel Santos, a partir das 20h.

“Sempre falamos que cada edição desse projeto recupera os temas das mostras anteriores para agregar outras perspectivas de existência. Nunca partimos do zero, mas de um histórico de vozes que ecoam novamente a cada edição”, comenta Galiana Brasil, gerente do Núcleo de Artes Cênicas do Itaú Cultural. “Assim, chegamos a esse momento de colocar em foco as tantas possibilidades de construção – e, mesmo, desconstrução – a fim de refletirmos a pluralidade de uma existência ‘homem’.”

Galiana acredita ser adequado, por exemplo, o uso da expressão “masculinidade tóxica” porque nasce na tentativa de se olhar para esse universo a partir de suas dores. “A adjetivação ‘tóxica’ ressalta a brutalidade, aspereza e toda sorte de dureza que permeia a forma como aprendemos a perceber tudo o que define e deriva do ser masculino. Por tudo que vimos na construção desta edição da mostra, posso afirmar que é hora de questionar, problematizar essa cultura de centramento e imposição.”

Rico Dalasam. Encerra com pocket show do novo disco 'Dolores Dala Guardião do Alívio'. Foto: Rafael Arbex/Estadão (21/5/2017)

Questionada se o conceito de masculinidade que hoje vigora na sociedade ainda é limitador na expressão de sentimentos como afeto e angústia, além da própria forma de o homem encarar a sexualidade, Galiana acredita que ainda há muita construção histórica em torno do que determinado grupo social espera da masculinidade, caracterizado pelas questões do que se deve usar, vestir, além de como se deve falar ou se portar. “Trata-se de cultura e, como tal, é um organismo vivo, mutante, que se diferencia e toma novos contornos a depender das regiões, lugares, instituições, mas, em linhas gerais, opera em padrões parecidos, seculares, que impõem o uso da força, a dureza como norma de existência.”

Segundo ela, é uma cultura cruel que se perpetua e gera outras tantas vítimas, para além dos próprios homens. “É curioso como, em meio a tanto avanço científico e social, ainda convivamos com uma sociedade que impõe uma armadura de ferro em torno dos homens, de toda forma de masculinidade, lhes negando direitos como a demonstração de carinho, a doçura ou a fragilidade, ao mesmo tempo que lhes concede privilégios que também se arrastam ao longo dos tempos, como a supremacia nas carreiras e remunerações, o direito sobre os corpos de suas parceiras – e todos os outrxs.”

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Como acontece com qualquer ser humano, a infância e a adolescência influenciam na construção do homem, pois, acredita Galiana, são fases definidoras para todos os seres humanos, em que a dependência dos adultos e a busca por padrões operam fortemente no modo como constroem sua autoimagem. “E, tanto para a criança quanto para o jovem, esses padrões vigentes de masculinidade podem ser extremamente opressores, nocivos, causando feridas muito profundas que desencadearão outros sofrimentos na vida adulta.”

Marcelino Freire.Escritor participa do debate de abertura. Foto: JF Diorio/Estadão (18/9/2018)

Assim, ao formatar a nova edição do Todos os Gêneros, ela e seus colaboradores buscaram montar uma programação com discussões em formatos de rodas de conversa, em que homens de todos os gêneros falam abertamente sobre paternidade e criação dos filhos, colocando essas questões em perspectiva e compartilhando seus olhares pessoais. “É uma experiência muito bonita ouvi-los e entender como esses atravessamentos de infância e juventude operaram em suas construções e o que eles levam de aprendizado na criação de seus filhos.”

E, para evitar que debates e manifestações se caracterizem pela aridez, a arte desponta como instrumento fundamental na compreensão do papel do homem na discussão de gênero. “A arte está sempre nos trazendo outras leituras, abrindo caminhos para vermos as mesmas coisas com olhos outros, ferramentas outras, despertando outros sentidos”, comenta Galiana. “Temos trabalhos que trazem, por exemplo, a masculinidade sertaneja em um lugar de subjetividade e poética pouco visto no imaginário vigente, no que se espera desse território recorrentemente representado pelos clichês da brutalidade, da aridez. Isso se estende em trabalhos com a performance, a música, a dança e o teatro.”

O combate do homem como figura normativa e disparadora de toda sorte de discriminação para todas as existências que não se reconheçam nesse padrão vem sendo problematizado e denunciado, na opinião de Galiana, em todas as camadas do movimento LGBTQI+ e, antes, pelas correntes feministas. “O que surge como inaugural nesse processo é justamente o exercício de o opressor – que também se faz oprimido – olhar-se, de seu lugar, e entender o seu papel na ruptura ou perpetuação dessas desigualdades, e o que lhe cabe para transgredir, ser aliado.”

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