Dizem que pena não é um bom sentimento. Não sei se concordo. Talvez a compaixão pareça um pouco mais nobre, mas parece-me que a pena é mais genuína. E eu sinto pena das pessoas com muita frequência (talvez por isso eu tente me convencer de que a pena não é um sentimento tão ruim assim).
Dentre as situações nas quais meu peito se enche de pena, destaco algumas, não muito óbvias: tenho pena de gente que corre muito para pegar o ônibus e não o alcança (se essa pessoa for eu mesma, também sinto muita pena); tenho pena de gente com dor de dente ou dor de ouvido; tenho pena de gente que estuda alemão; pena de quem não pode comer glúten, lactose, açúcar ou levedura; pena de quem não ama desesperadamente os próprios pais.
Ocorre que hoje eu fui invadida por um sentimento inédito de pena, urgente e gritante. Estava no aeroporto – para variar – e caminhava pelo duty free (que eu ainda gosto de chamar de freeshop, apesar da minha pouca idade) para recolher algumas bobagens que ia levar para o Brasil. Rímel, licor de amêndoa amarga e vinho do Porto. Olhei umas seis vezes para uma barra de chocolate Milka recheada com bolachas, mas firmei o pensamento em Jesus Cristo e no meu vestido de noiva e segui incólume.
Cheguei aos caixas e a menor fila era o caixa 3, operado por um rapaz de cabelos lisos até a altura dos ombros que me lembrou o Mogli, fazendo com que eu simpatizasse automaticamente com ele. Na fila havia 5 pessoas na minha frente. Conforme a fila andava, as pessoas colocavam suas compras na esteira para que eu pudesse analisá-las de forma discreta, porém vergonhosamente invasiva. O primeiro era um homem careca de cerca de 60 anos. Ele levava apenas uma garrafa de vinho. A máquina fez plim plim e eu pude ver o valor da garrafa: 86 euros. Arregalei os olhos. Mas pensei e fiquei feliz por ele. Aquilo era um grande presente, fosse para ele mesmo ou para alguém com quem ele realmente se importasse. Torci para que fosse para uma comemoração com a mulher dele ou com um amigo de infância. Era uma bela compra.
Depois, uma moça negra, linda, com idade próxima à minha. Ela levava dois pacotes de M&M’s recheados de amendoim, três vidros de esmalte e um perfume masculino. Também era uma compra invejável. Ela gastou 42 euros. Imaginei que o perfume era um presente para o irmão e os chocolates eram para os sobrinhos. Os esmaltes certamente eram dela, cujas unhas estavam impecáveis. Na sequência, um rapaz com cara de nórdico, de quase 2 metros de altura e seus 20 anos. Ele levava uma garrafa de vodca Absolut e um saco de Twix. Evidentemente, era tudo para ele. Tudo bem, ele está aproveitando a vida. Eu, há dez anos, também podia tomar algumas doses de vodca sem querer morrer no dia seguinte e também podia comer um saco de Twix e conseguir entrar nas minhas calças na semana seguinte. Ele faz bem em fazer isso enquanto pode. Foram 26 euros.
A quarta era uma senhora espanhola, de cabelos presos num belo coque. Ela levava alguns cremes caros para o rosto, um batom Chanel e bichinho de pelúcia lilás. Uma neta. Uma neta de 2 ou 3 anos, imagino eu. Um dos cremes é para a filha. Mais uma compra interessante. No visor, 187 euros.
Por fim, a moça da minha frente. Era miudinha, bonita, de olhos azuis e cabelos bem pretos. Devia ter uns 35 anos, apesar de ser tão pequena. Eu não conseguia ver o que ela tinha no cesto. Imaginei que podia ser um perfume. Um queijo bom. Ou aquelas balas de ursinhos de gelatina para um filho que ficou em casa.
Até que a compra apareceu. Meu peito foi tomado automaticamente por aquele sentimento de pena. 94 euros! 94 euros com aquilo. Tanta coisa boa, tanta gente para presentear e ela fez aquela escolha tão infeliz. Que tristeza. 94 euros em cigarros. Desejava coisa melhor para ela. Que pena, moça, que pena.