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Coluna do escritor e arquiteto Milton Hatoum sobre literatura e cidades

Que casa, que vida?!

"Construir, não como ilhar e prender..."

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Por Milton Hatoum
Atualização:

João Cabral de Melo Neto

Aos domingos, o artista plástico Rubens Matuck costuma plantar uma muda de árvore numa praça de São Paulo. Árvore de uma belíssima floresta, a Mata Atlântica, que sobrevive em pouquíssimas áreas da atual metrópole.

Há duas ou três semanas, vários paulistanos plantaram mais de 30 árvores no árido Largo da Batata. E em todo o País, milhares de pessoas fazem esse gesto mais do que simbólico nas nossas cidades, cada vez mais inóspitas.

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As motosserras, tratores e queimadas que devastam a cada dia uma vasta área das florestas brasileiras, também derrubam árvores nas franjas das cidades. Isso acontece com vários projetos do programa "Minha casa, Minha vida". Aliás, não se trata de um projeto de arquitetura, e sim de um desenho padronizado, e nada criterioso. Com poucas exceções, o projeto e a implantação desse programa de habitação popular são lamentáveis, e deveriam ser repensados. De um modo geral, constroem-se dezenas ou centenas de casinhas iguais, sem infraestrutura, conforto térmico, serviços adequados, áreas de lazer e, não raramente, sem uma relação orgânica com a cidade. É como se os pobres só tivessem direito a um teto e quatro paredes num terreno árido. E isso sem contar a péssima qualidade da construção, como a própria presidente Dilma Rousseff constatou numa visita a um desses conjuntos de habitação popular.

No projeto de implantação não há sequer um estudo ambiental; se houvesse, as casas não seriam construídas num deserto. Para as construtoras, é mais fácil e muito mais lucrativo derrubar árvores e fazer uma terraplanagem para construir casas populares. Há pouco tempo, uma área da floresta amazônica foi derrubada em Presidente Figueiredo, um município situado a uns cem quilômetros de Manaus. Nesse solo desmatado serão erguidas centenas de casinhas que ficarão expostas ao sol quente do equador. Nenhuma praça ou parque, sequer uma árvore. Uma área de sombra numa cidade equatorial é como um oásis num deserto. Mas as construtoras não querem saber disso. Derrubam a floresta, e os moradores que se lixem! E nos meses de chuvas torrenciais, a erosão do solo pode acabar com a casa e com a vida. Eis um belo exemplo de cidadania!

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Por que não exigir das construtoras um projeto de arquitetura e paisagismo criterioso? Por que não assimilar o ensinamento de João Filgueiras, o Lelé, um dos maiores arquitetos brasileiros? Ou os projetos exitosos de conjuntos habitacionais em Heliópolis e às margens da represa Billings, onde foi implantado o "Programa Mananciais"? Ou os poucos projetos também exitosos do programa "Minha casa, Minha vida"?

A opção por projetos de casas padronizadas e construídas às pressas é um dos vícios da política habitacional. Os exemplos estão aí, há décadas, e de norte a sul. Basta ver os conjuntos do antigo BNH, do Cingapura e da Cohab.

Há paisagem mais triste e desoladora?

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