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Quatro mulheres em uma: "Carmen" está de volta

Montagem encabeçada pelo diretor Iacov Hillel e pelo maestro Luis Fernando Malheiro traz a célebre personagem de Bizet de volta ao Teatro Municipal do Rio

Por Agencia Estado
Atualização:

Audaciosa e esbanjando charme "como um pássaro rebelde", Carmen está de volta. Após dez anos fora dos palcos do Teatro Municipal do Rio, a mais célebre personagem de Bizet - e, talvez, de todo o repertório - aparece a partir de quinta em nova produção do teatro, encabeçada pelo diretor Iacov Hillel e o maestro Luis Fernando Malheiro, dupla que, desde junho, enfrenta a complicada tarefa de reestruturar a programação de ópera do teatro. A montagem tem a participação de dois elencos diferentes. A soprano norte-americana Cynthia Clarey (que fez o papel da cigana em La Tragédie de Carmen, dirigida por Peter Brook) e a meio-soprano búlgara Elena Tchavdarova revezam-se no papel de Carmen. Interpretam o soldado d. José o tenor português Luis Lima e o brasileiro Ricardo Tuttman. O francês Armand Arapian e o brasileiro Paulo Szot aparecem como o toureiro Escamillo. No papel da jovem Micaela, a búlgara Krassmira Stonayova (que esteve por aqui há três anos em uma montagem da Fosca, de Carlos Gomes, feita pela Ópera Nacional de Sofia) e a brasileira Flávia Fernandes. O ator Guilherme Karam faz uma participação especial como o dono da taverna, Lillas Pastia. Também participa da produção o Coro Infantil da Universidade Federal do Rio de Janeiro, dirigido por Maria José Chevitarese. Ambientada em Sevilha, Carmen tem início na praça em frente da fábrica de tabaco, onde apenas mulheres trabalham, enrolando cigarros. Entre elas está a cigana Carmen que, após cantar sua visão do amor, enlouquecendo os homens presentes, provoca o nobre soldado d. José arremessando nele uma flor. É também na praça que, pouco depois, o soldado encontra a jovem apaixonada Micaela, que traz notícias de sua cidade natal e de sua mãe fazendo com que, por alguns instantes, a imagem da cigana abusada deixasse sua cabeça. A tranqüilidade, no entanto, dura pouco: em alguns instantes, uma briga dentro da fábrica entre Carmen e outra funcionária provocam grande tumulto na praça. Carmen é presa e cabe a d. José levá-la à prisão. Enquanto, sozinhos, esperam pela ordem de prisão, a cigana seduz o soldado, fazendo-o crer que, caso ele a deixasse fugir, ela o amaria. Carmen foge e d. José é preso. Já se passou um mês no momento em que as cortinas do teatro se abrem para o segundo ato, que se passa na taverna de Lillas Pastia. O clima é de festa: soldados, artistas, mulheres bebem e dançam. Chega Escamillo, um dos mais célebres toureiros espanhóis. Aclamado por todos, ele se aproxima de Carmen e promete a ela que será em sua homenagem o próximo touro que matar. Os dois trocam olhares enquanto Escamillo é carregado pelas pessoas. Lillas Pastia anuncia o fechamento do estabelecimento, dando passagem aos contrabandistas Remendado e Dancaire, que convidam Carmen, Mercedes e Frasquita a acompanhá-los até as montanhas para desviar uma carga roubada. Carmen fica e recebe a visita de d. José, que acabou de sair da prisão. Ela começa a dançar para ele que, no entanto, ao ouvir o som do toque de recolher, diz que precisa voltar ao quartel. Os dois brigam e ele diz a ela que não duvide de seu amor, mostrando a flor - aquela utilizada por ela para provocá-lo - que ele manteve com ele todo o tempo em que ficou na prisão. Ela diz que, se ele a ama, deve acompanhá-la até as montanhas. Ele se recusa e ameaça deixá-la quando seu superior chega e insinua-se para Carmen, o que irrita o soldado, fazendo-o levantar armas contra o superior. Ele é obrigado a fugir com a cigana e os contrabandistas. Terceiro ato. Nas montanhas, as brigas evidenciam o romance improvável entre Carmen e d. José. Ela vai embora. José e Escamillo se encontram e o toureiro diz estar procurando seu amor, Carmen. José o desafia. A luta é interrompida pelos contrabandistas. José ameaça matar Carmen caso ela vá embora com Escamillo. A cigana vê a própria morte nas cartas. Micaela aparece e conta a José sobre a doença de sua mãe. Os dois partem em direção à cidade natal do soldado. A Plaza de los Toros, em frente do ringue de touradas, é o palco para o quarto e último ato da ópera. É dia de tourada e Escamillo chega ao local ao lado de Carmen. Os dois fazem juras de amor e o toureiro entra na arena. Carmen é avisada de que José foi visto andando pelas redondezas e afirma não ter medo dele. O soldado se aproxima e os dois têm um encontro que selará seus destinos. Quatro mulheres em uma - A intenção de Hillel é montar uma Carmen atemporal, "sem invenções de tempo, lugar ou atitudes que possam fugir à concepção clássica". Em entrevista durante um breve intervalo nos ensaios, o diretor diz apostar na música. "O que me interessa é permitir que se sobressaiam a música e a interpretação." Uma das características que ele procura ressaltar é o poder modificador que possui Carmen. "Ela transforma um simples soldado em um assassino." Outra transformação a ser ressaltada é a da própria personagem. "Ela começa como uma operária que fala do amor com grande liberdade, com um poder de sedução muito forte; no segundo ato, é uma cantora de cabaré, feliz, sedutora, que transforma o soldado em bandido; no terceiro ato, é uma contrabandista, tem seu lado místico ressaltado e faz o bandido voltar para a casa da mãe; por fim, é a grande dama, mulher de um grande astro, aparece como uma espécie de emergente." As múltiplas possibilidades de interpretação são, na opinião do diretor, o que, de fato, interessa. "Quem sou eu para restingir as possibilidades que uma personagem como essa oferece? Não quero restringir, quero multiplicar." Como? "Por meio das perguntas certas." Um exemplo dessa abertura de possibilidades é o enfoque dado à personagem Micaela. "Não estou certo de que ela é uma jovem inocente e inexperiente como alguns podem acreditar: quem sabe, por exemplo, se quando ela vai procurar José nas montanhas ela não inventou que sua mãe estava doente somente para trazer de volta o homem que ela amava?" O maestro Luis Fernando Malheiro chama a atenção para o fato de que Carmen é uma caso à parte dentro do repertório operístico. "É a ópera mais popular, a mais querida, e, provavelmente, uma das mais executadas em todo o mundo: até quem não tem ligação alguma com o mundo da ópera reconhece e se sente atraído pelos temas nela presentes." O mesmo vale para os artistas. "Não há maestro que, em determinado momento, não tenha manifestado o desejo de reger a ópera e o número de cantoras, muito diferentes entre si, que já quiseram cantar o papel, mostra que a personagem exerce um enorme fascínio sobre as pessoas." A razão? "A história da mulher livre - e não liberada - pode não ser um tema dos mais originais, mas a grande popularidade da ópera está diretamente ligada à música, extremamente feliz: parece até que os franceses foram aqueles que melhor fizeram música espanhola", brinca o maestro. Em sua opinião, um dos pontos altos da obra são as melodias. "Em Carmen, Bizet mostra que era um excelente melodista e, à medida que se estuda a partitura, fica evidente que ele sabia que estava escrevendo sua obra-prima." Para ele, a principal dificuldade está em criar algo novo. "É difícil despir-se da grande quantidade de informação que já recebemos por meio de gravações e outras montagens o que faz da tarefa de montar Carmen uma grande responsabilidade."

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