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Projeto simpático, mas frágil

Os males urbanos estão em cinco histórias superficiais que não conseguem despertar emoção

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Por Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

A princípio, o projeto de Circular parece criativo e simpático. Cinco jovens, todos alunos da FAP - Escola Superior de Cinema e TV, de Curitiba, já com experiência em curtas, resolvem unir forças e fazer um longa. Cinco histórias, mas que, para não ficarem desarticuladas, se mesclam em algum lugar do tempo e espaço. No fundo, é o formato do multiplot, que apareceu décadas atrás como grande novidade (não era), e depois se desgastou pelo excesso de uso e falta de imaginação. A má fama recente dos multiplots vem por conta de tramas mal ajambradas e sem sentido. Virou fórmula e já não comove pela aparente novidade. É preciso dar-lhes um centro, senão parece mais artificial do que já é, com seus personagens entrando na história dos outros. Nos anos 60 e 70 andaram na moda os filmes do episódios, com alguma aproximação temática e nada além dela a ligá-los. Ótimos longas como Rogopag e Bocaccio 70 se originaram daí. Não era preciso fingir que faziam um todo porque não era assim. Em Circular, uma das providências para conferir essa falsa unidade foi entregar a direção de fotografia ao veterano Carlos Ebert. Mas a decisão mostra-se insuficiente. Certo, as tramas falam de males urbanos, mas isso é muito vago para dar algum liga a cinco vontades e estilos diferentes. O filme até que começa bem com a história do estrangeiro que, aparentemente, tem de resolver o caso de sequestro do próprio filho. Carlos (o ótimo ator uruguaio Cesar Troncoso, de O Banheiro do Papa) marca encontro com o sequestrador dentro de um ônibus, para reaver o filho. No mesmo ônibus está o pastor Samuel (Marcel Szymanski), com problemas com a filha pequena, que sente falta da mãe. Na viagem estão alguns componentes de uma banda punk chamada Gengivas Podres, veja só. E também a professora de arte Cristina (Letícia Sabatella), que utiliza medicamentos em suas obras e, para não perder a viagem, faz uso deles. O cobrador do veículo é Lourival (Santos Chagas), boxeador nas horas vagas e deslocado para essa linha para substituir um colega. Cada um desses personagens puxa uma história particular, e elas são bem irregulares. Talvez a de Carlos seja a melhor, mas estiola-se à medida que se desenvolve. A do pastor Samuel é superficial, assim como a do trocador/boxeur Lourival. A de Cristina é inconsistente, com uma personagem que poderia ser mais crível se não se entregasse a discursos edificantes sobre a função da arte. O episódio dos punks, com seu farto exercício de escatologia, é apenas lamentável. No todo, o filme é fraco. Em momento algum conseguimos nos envolver com os dramas daquelas pessoas, porque eles se desenvolvem de maneira artificial. Com exceção, como já se disse, de alguns momentos do episódio de Carlos, o que tem o filho sequestrado, e cuja força se deve ao ator, acima de tudo. Há um ou outro momento de bom cinema, mas são raros. O projeto se perde na fatura cinematográfica insuficiente. Fragilidades que se escondem num curta de iniciantes se amplificam num longa.

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