Cerca de 300 mil ingressos já foram vendidos - numa Europa em crise, mas na qual a chanceler Angela Merkel assume a liderança das iniciativas para manter a região unida, a Berlinale de 2012 ainda nem começou e já é um sucesso. Os números são todos superlativos - 4 mil jornalistas, 19 mil participantes e convidados de 115 países. E os filmes - 18 em competição pelo Urso de Ouro, mais centenas distribuídos pelas diversas seções paralelas. O Brasil não compete este ano. Quer dizer. As cores do Brasil integram um dos filmes da competição, o português Tabu, de Miguel Gomes, que tem, inclusive, um ator brasileiro - de São Paulo - no elenco. Ivo Muller integra o elenco das peças Doze Homens e Uma Sentença e Cartas a Um Jovem Poeta (baseada nos textos de Rainer Maria Rilke). E, claro, Xingu, de Cao Hamburger, e Olhe pra Mim de Novo, de Claudia Priscilla e Kiko Goifman, estão no Panorama e no Panorama Especial, respectivamente.
Todo ano é a mesma coisa. Os críticos assinalam a vocação política da seleção da Berlinale. Depois de Tilda Swinton e Isabella Rossellini, que premiaram A Teta Assustada e A Separação, como se comportará o presidente do júri deste ano, o inglês Mike Leigh? Seus filmes apontam justamente para o comprometimento social, e Leigh tem feito bela figura nas competições de Cannes e Veneza, onde Segredos e Mentiras e Vera Drake saíram vencedores.
Como será seu gosto de espectador? Não muito diferente de suas opções estéticas, com certeza, e por isso há grande curiosidade para ver como Mike Leigh se sairá. A curiosidade maior ainda, indagam-se os críticos e jornalistas de todo o mundo, é pelo que lhes reserva a seleção de 2012. A abertura traz um filme de época, mas Benoit Jacquot se interessa sempre pela contemporaneidade. Não deve ser diferente com Adeus à Rainha. Há alguns anos, Sofia Coppola já deu sua versão de Maria Antonieta num filme polêmico. Como será a (re)visão histórica de Jacquot?
A seleção ressuscita os irmãos Taviani, que andavam meio ausentes, e Cesare Deve Morire se antecipa como grande atração, bem como Captive, de Brillante Mendoza, com Isabelle Huppert; Jayne Mansfield's Car, de Billy Bob Thornton; Tabu, o citado longa luso-brasileiro de Miguel Gomes, e duas produções alemãs de autores alemães (da casa, portanto) que costumam fazer boa figura em Berlim - Barbara, de Christian Petzold, e Home for the Weekend, de Hans-Christian Schmid.
Fora de concurso, os destaques não são menores. Flores da Guerra, de Zhang Yimou; Flying Swords of Dragon Gate, de Tsui Hark; A Toda Prova, o novo Steven Soderbergh; e A Dama de Ferro, de Phyllida Lloyd, integrando a homenagem a Meryl Streep, que este ano será agraciada com um Leão de Ouro especial de carreira. Meryl está indicada para o Oscar de melhor atriz. Era a favorita, mas aí Viola Davis ganhou o prêmio do SAG, o sindicato dos atores, e fez balançar sua candidatura. Nem por isso Meryl deixará de ser a estrela internacional da Berlinale de 2012. Os Ursos de Ouro para atores e atrizes - Alain Delon, Jeanne Moreau e Kirk Douglas, entre outros, receberam o troféu honorário, em anos precedentes - são sempre emocionantes.
Berlim presta mais duas homenagens, a dois mortos ilustres. O grande diretor grego Theo Angelopoulos, que morreu atropelado por uma moto em janeiro, será lembrado com a exibição de Trilogy - Weeping Meadow. Outro morto ilustre - Vadim Glovna, nome destacado do novo cinema alemão dos anos 1960/70, a geração de Rainer Werner Fassbinder e Werner Herzog. Embora menos conhecido no Brasil, ele dispunha de boa reputação na Alemanha e foi premiado em Cannes com Desperado City, justamente o filme que a Berlinale exibe no sábado, depois de amanhã.
Tudo isso é muito rico e significativo - e ainda existem todas as seções paralelas, Panorama, Fórum, etc. Mas tem gente apostando que já valeria vir a Berlim para o resgate de um monumento do cinema. No fim dos anos 1920, após O Encouraçado Potemkin, Sergei M. Eisenstein fez Outubro e o filme sofreu todo tipo de interferência, até porque Josef Stalin, consolidado seu poder, exigiu do cineasta que a participação de Leon Trotsky fosse minimizada e, depois, eliminada da Revolução Russa. Ninguém ainda sabe direito o que vão trazer as imagens recuperadas de Outubro - nem as legendas, porque, ao longo do tempo, e com fins de propaganda, as cartelas com legendas explicativas (do filme mudo) foram sendo reescritas ao sabor das necessidades da propaganda do momento. A volta de Outubro às origens promete ser um grande evento do cinema - e quem sabe uma tentativa de reescrever a História, uma coisa a que Berlim se propõe, inclusive com seu debate deste ano sobre as transformações do mundo árabe.
Para os brasileiros que integram a programação de 2012, Berlim representa o retorno. Cao Hamburger já esteve na Berlinale, com O Ano Em Que Meus Pais Saíram de Férias, que integrou a competição. Xingu, sua ficção sobre os irmãos Villas Boas, reabre o tema das remarcações dos territórios indígenas, e a plateia politizada de Berlim poderá ser bastante sensível ao assunto. Kiko Goifman e Claudia Priscilla também estão de volta, com o documentário Olhe pra Mim de Novo. "Estivemos em Berlim juntos em 2006. Foi incrível porque estávamos com dois filmes. Havia cinco filmes brasileiros, a Claudia estava com o curta Sexo e Claustro no Panorama e eu, com o longa Atos dos Homens no Fórum. Foi uma experiência única que queremos retomar", avalia Kiko. Ambos apresentam o documentário Olhe pra Mim de Novo, sobre Syllvio Luccio, uma transexual nordestina que se fez cabra macho e leva jeito de agitar o Panorama Especial com sua defesa radical do direito à identidade e à sexualidade.