Primeira peça dirigida pelo ator Fábio Assunção estreia em SP

Jogo de contradições marca 'O Expresso do Pôr do Sol', texto do americano Cormac McCarthy

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Por Ubiratan Brasil - O Estado de S. Paulo
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Fábio Assunção é um ator inquieto. Sucesso na televisão como Jorge, personagem da divertida série Tapas & Beijos, ele busca novos desafios no palco. Foi o que o impulsionou a apostar em Oeste, texto claustrofóbico, árido, de Sam Shepard, ou mesmo no intrigante Adultérios, de Woody Allen. Agora, como uma nova etapa, Assunção decidiu estrear como diretor teatral. Mais: escolheu o um raro texto escrito para o palco pelo grande escritor americano Cormac McCarthy. O resultado é O Expresso do Pôr do Sol, que estreia nesta quinta-feira, 30, para convidados, no Tucarena - sexta-feira, 31, é a data para o público.

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Ele não atua, preferindo o papel de encenador e produtor. "Fiquei fascinado por esse texto que mostra dois homens entre 40 e 50 anos, um suicida e um religioso, que travam um embate sobre o que pensam da vida", conta. "Utilizo não apenas a prosa poderosa de McCarthy, mas também o espaço para mostrar os momentos da consciência."

O Expresso do Pôr do Sol é a tradução para Sunset Limited, peça que, de tão palavrosa, foi definida pelo próprio autor como "um romance em forma de diálogos". Encenada pela primeira vez em 2006, em Chicago, a montagem narra a história de dois homens que, fechados em um apartamento no subúrbio, e com um passado completamente diferente, se veem envolvidos num intenso debate sobre o valor das suas existências.

Na trama, o ex-presidiário evangélico Black (Guilherme Sant’Anna) salva o professor ateu White (Cacá Amaral), que pretendia se jogar na frente de um comboio da linha Sunset Limited, nome de um trem de passageiros que viaja pelo trecho New Orleans - Los Angeles, cruzando diversos Estados dos EUA. A peça começa quando os dois estão no apartamento de Black - que se recusa a deixar White sair -, onde discutirão sobre religião, vida e morte.

O texto se sobressai, especialmente por contrariar a tradição ao deixar que o diálogo conduza a história e não a ação. Assim, a linguagem rica compensa a falta de incidentes. Apontada como um "poema em celebração da morte" pelo jornal The New York Times, a peça recebeu um luxuoso tratamento em sua versão brasileira: Fábio Assunção convidou a dramaturga Maria Adelaide Amaral para fazer a tradução. "Pedi a ela que não seguisse a linha realista, pois eu pretendia realizar uma montagem mais existencialista."

Para isso, o original sofreu uma redução, o que implicou uma diminuição na duração - se montado integralmente, o texto resultaria em uma peça de duas horas e meia; agora, terá 80 minutos. "Claro que os diálogos mais afiados foram preservados, pois dão substância à trama", observa Assunção, que confessa não ter nenhuma influência no ato de dirigir. "Na verdade, o trabalho nasceu a partir do compartilhamento de ideias entre toda a equipe".

É o que explica, por exemplo, a utilização do espaço para revelar a consciência dos personagens. Assunção queria que a iluminação tivesse tons distintos, necessários para demonstrar aquela variação. Assim, convidou Caetano Vilela para desenhar a luz, graças à sua experiência com óperas. "Gosto especialmente do jogo de elementos utilizando a sombra", explica o diretor. "É como Jung, que a utiliza para esconder o que é reprimido - o mesmo acontece na peça, em que o suicida é o personagem consciente, pois, pelo fato de ser um homem deprimido, por ter perdido a fé e o amor, ele realmente tem o direito de escolha."

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Nesse duelo de liberdade, lucidez e escolhas, Fábio Assunção joga tanto com os significados do texto como com as diferenças que descobriu em seus atores. "Enquanto Guilherme filtra suas atitudes pela intelectualidade, Cacá se joga em todas as propostas oferecidas por mim", comenta. "Desse jogo de contradições, nasce naturalmente as diferenças entre Black e White."

Sunset Limited é uma raridade na carreira de McCarthy, assim como Assunção pretende que seja O Expresso do Pôr do Sol em sua trajetória.

O EXPRESSO DO PÔR DO SOLTucarena. Rua Monte Alegre, 1.024, 3670-8455.6ª e sáb., 21 h; dom., 19h30. R$ 40/ R$ 50. Até 30/11.

 

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