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Premiada "Copenhagen" ganha montagem brasileira

Por Agencia Estado
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Um misterioso encontro, acontecido em 1941, ainda intriga a comunidade científica - em setembro daquele ano, o físico alemão Werner Heisenberg encontrou-se com o dinamarquês Niels Bohr, também físico, em Copenhagem. Eram amigos desde 1922, período em que trabalharam juntos em pesquisas como a da teoria do quantum. Naquela noite, porém, estavam separados ideologicamente: enquanto Heisenberg desfrutava de muito prestígio no governo de Adolf Hitler, especialmente por trabalhar no projeto de construção da bomba atômica, Bohr, judeu, sofria com a ocupação nazista da Dinamarca, reclamando de perseguições pela Gestapo. O reencontro, porém, foi caloroso, como o de amigos que há muito não se viam. Durante o encontro reservado, nenhum deles parece ter tomado notas, portanto, não se pode assegurar exatamente sobre o quê conversaram. Para coroar esse quebra-cabeça, há evidências de que Heisenberg deu a Bohr um desenho, o esboço de um reator atômico. Não se sabe se o rascunho foi feito antes ou no momento do encontro, mas aparentemente continha informações sobre como os alemães planejavam construir armas nucleares. "Essa incerteza permitia, portanto, um exame das influências intelectuais do século a partir desses dois físicos", comenta o escritor e dramaturgo inglês Michael Frayn, em entrevista a Agência Estado. Frayn transformou o encontro em ficção e escreveu Copenhagen, peça que estréia em março, no Festival de Curitiba, iniciando em seguida uma temporada em São Paulo. O texto chega ao Brasil carregado de prêmios importantes: o Evening Standard inglês, o Molière francês e o Tony americano. A engenhosidade da peça está em apresentar Heisenberg e Bohr como personagens mortos, livres, portanto, para reflexões despreocupadas sobre a realidade histórica e a filosofia de seus atos. E, para que a discussão não caísse na armadilha de tratar apenas de assuntos científicos complexos, Frayn introduziu um terceiro personagem, Margrethe, mulher de Bohr, que busca explicações compreensíveis quando a conversa dos físicos torna-se mais hermética. O sucesso da peça (já foi encenada em palcos da Itália, Rússia e Alemanha) ainda atordoa o dramaturgo. "Quando escrevi, acreditava que nenhum produtor teria coragem de montá-la", diz Frayn. "Era um assunto que me fascinava, mas eu imaginava que as outras pessoas diriam que o tema é muito abstrato. E, na verdade, alguns amigos leram o texto e disseram: ´Bem, isso é uma peça para o rádio´. Por isso estou completamente surpreso com seu sucesso." Filosofia - Aos 67 anos, Michael Frayn apresenta-se como um homem quieto, reflexivo, tímido até - "esquivo é uma palavra comumente usada para me descrever", diverte-se - e não é, assegura, um homem ambicioso. Garante não ter nenhuma qualificação científica para escrever sobre o encontro dos dois físicos, mas se sentiu seguro graças a outras habilidades intelectuais. "Meu campo de trabalho é a filosofia e foi sob este ponto de vista que descrevi a relação de Heisenberg e Bohr", justifica. Uma das grandes virtudes de Copenhagen é, sobretudo, sua absoluta clareza no enfoque. O texto concentra-se nos personagens, que discutem, em um limbo qualquer, o que realmente pretendeu Heisenberg com sua visita. A exigida concentração do público nos diálogos é conseguida graças a um despido cenário circular, rodeado pelos espectadores que atuam como um júri em uma interminável sessão de tribunal. A tendência de Frayn é fazer exatamente o que tornou Niel Bohr famoso, que é observar a física a fim de descobrir as implicações morais e filosóficas que a ciência sugere. A peça desperta a curiosidade da platéia, que sabe estar ouvindo algo importante. Inicialmente, é sobre a bomba atômica, o que interessa a todos. Mas é também sobre a profunda modificação que esses cientistas provocaram em nosso meio de encarar a realidade. "Essa, digamos, exigência tem sido bem aceita pela grande maioria das platéias, o que é essencial para a peça atingir seu objetivo", comenta. O autor inglês credita ao diretor Michael Blakemore, responsável pelas montagens de Londres e Nova York, uma boa parcela do sucesso. "Ele foi muito feliz em determinar a movimentação dos atores, que andam pelo cenário como um grupo de átomos rodeando um núcleo que, na verdade, é o texto da peça", conta Frayn, que, ao contrário de outros autores, não fornece nenhuma indicação aos diretores. "É uma metáfora visual muito interessante." Apesar de sua "apaixonada moderação", a timidez de Frayn é intensa. É realmente difícil descobrir traços de sua ardente juventude, quando, como muitos outros, quis aprender o idioma russo por causa de sua simpatia comunista. Seu desejo foi ironicamente realizado quando o exército britânico o enviou para um curso de línguas durante o serviço obrigatório, antes de entrar na Universidade de Cambridge. O aprendizado não serviu apenas para trabalhar como espião e intérprete do governo - Frayn logo se tornou um talentoso tradutor e adaptador de Chekhov e suas versões são consideradas as melhores em língua inglesa. "Esse trabalho tornou-se um verdadeiro prazer", comenta o autor que, no momento, saboreia um novo sucesso: seu livro Headlong, um romance que combina comédia de costumes com elementos de farsa e história de detetive, recebeu boa acolhida da crítica e já avança na lista dos mais vendidos.

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