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Possível sabotagem evoca divergências

Polícia investiga perfis falsos nas redes sociais, mas Prefeitura vê com cautela conexão entre críticas e falhas

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Por João Luiz Sampaio
Atualização:

O primeiro incidente técnico deste ano no Teatro Municipal de São Paulo aconteceu durante a ópera Aida, em agosto - a primeira montagem comandada por John Neschling como diretor artístico da casa. E já naquela época, mesmo antes que nova falha interrompesse, no domingo, récita de Don Giovanni, foi aventada pela direção do teatro a hipótese de sabotagem.Tanto José Luiz Herencia, presidente da Fundação Teatro Municipal, quanto John Neschling, não podem se pronunciar publicamente sobre o ocorrido, pois estão citados na sindicância instaurada pela Prefeitura para investigar o ocorrido - e, por conta disso, os pedidos de entrevista foram direcionados para a Secretaria de Comunicação da Prefeitura. Mas funcionários ouvidos pelo Estado, com a condição de não serem identificados, afirmaram ontem que o episódio de domingo apenas confirmou a suspeita nascida em agosto.Para um deles, é difícil acreditar na teoria de simples coincidência, uma vez que, nos dois casos, as falhas técnicas estiveram associadas a elementos fundamentais das produções - ou seja, o suposto sabotador sabia exatamente onde agir. Na Aida, o uso do elevador era parte fundamental da concepção visual do espetáculo, assim como Don Giovanni aposta em efeitos de luz. Por outro lado, as falhas poderiam ter ocorrido justamente por conta do "uso excessivo" desses elementos.A suspeita de sabotagem sugere a existência de desentendimentos internos entre a nova equipe comandada pelo maestro Neschling, que assumiu a direção artística em janeiro, e funcionários de antigas gestões - e traz para o plano real discussões que, até agora, vinham povoando redes sociais, onde as falhas técnicas são atribuídas à contratação de novos funcionários, que não estariam familiarizados com a função e o funcionamento do Municipal. No primeiro semestre, apareceram no Facebook duas identidades falsas: "Bidu Sayão Ressuscitada" e "Paulo Fortes Revoltado", que faziam referência em seus nomes a dois dos principais cantores líricos brasileiros do século 20. Eles nasceram na esteira de um manifesto virtual assinado por artistas e membros do público, pedindo maior espaço para cantores brasileiros na temporada do Teatro Municipal e reclamando da diferença nos valores pagos a solistas nacionais e estrangeiros - e, nesse sentido, questionavam escolhas da direção artística da casa. O que se seguiu foi uma batalha virtual que durou pouco mais de um mês. Num primeiro momento, tanto o maestro Neschling como pessoas ligadas a ele travaram discussões também no Facebook. Na sequência, ambas as contas foram eliminadas, reaparecendo pouco depois com nomes e fotos similares. Em determinado momento, surgiu o perfil do "Melômano Irritado" que, afirmando falar "em nome do público", defendia os novos rumos do Municipal, afirmando que a competição entre artistas poderia ser benéfica para as plateias. Uma semana mais tarde, nasceria um novo perfil, chamado "Alma do Coro", que, além de defender a direção, acusou dois músicos - um deles funcionário do teatro e o outro, membro dos corpos estáveis do Teatro Municipal do Rio de Janeiro -, de estarem por trás dos avatares Bidu Sayão e Paulo Fortes. Instados a se identificarem, inclusive por outros membros do Facebook, ambos mantiveram-se anônimos. "Paulo Fortes Revoltado" desapareceu. Já "Bidu Sayão", com nova identidade, seguiu acusando a direção do Municipal de favorecimento na escolha de cantores estrangeiros, que pertenceriam à mesma agência de Neschling, e de desrespeito a artistas da casa. Em resposta, Neschling mostrou que havia contratos com artistas de várias agências, brasileiras ou não, na agenda do teatro; e diversos músicos, em especial membros do Coral Lírico, foram à internet, onde ironizaram os avatares e afirmaram que, desde a chegada de Neschling, houve, ao contrário, uma revalorização dos profissionais do Municipal. A polícia investiga uma possível conexão entre as falhas técnicas ocorridas no Municipal e os perfis falsos nas redes sociais. Mas a posição da Prefeitura é de cautela. "Não há necessariamente uma relação entre as duas coisas", disse ontem Nunzio Briguglio Filho, secretário de Comunicação. "Esses perfis, enquanto tratam de críticas ao teatro, por mais estapafúrdias que elas possam nos parecer, são livres para escrever o que quiserem. O problema é quando começam as calúnias, aí é outra história e quem se sentir atingido pode tomar as providências. Agora, se há relação entre as duas coisas, é a sindicância que vai apurar. Eu pessoalmente não acredito nisso, mas a apuração vai determinar."

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