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Portal vende obras pela internet e forma o novo comprador

Artistas brasileiros e estrangeiros estão no acervo do site criado em outubro

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Por Antonio Gonçalves Filho
Atualização:

Se as casas de leilão internacionais apostam nas vendas virtuais, comercializando obras de arte de alto valor pela internet, por que não fazer o contrário e trocar o colecionador típico pelo neófito interessado em arte? Essa lógica marcou a criação de um portal brasileiro em outubro, que disponibiliza ao usuário informações sobre artistas brasileiros e estrangeiros, o primeiro a aliar conteúdo ao ‘e-commerce’. O ArtScoop, criado pela colecionadora Ana Luiza Brant e o empresário Rodrigo Lopes, ambos na faixa dos 30, ainda marca presença tímida no mercado, como outros similares (o Nail on Wall e Urban Arts), mas já tem 11 mil seguidores no Facebook e 50 parcerias com artistas e galerias para vender online obras com preços entre R$ 500 e R$ 7 mil.

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Tudo começou com um blog, em maio de 2011, segundo Ana Luiza. Insatisfeita com os sites dedicados à arte, cujo conteúdo ela considerava “difícil” para o leitor pouco familiarizado com o assunto, ela resolveu criar um blog com exposições virtuais. Rodrigo, publicitário, viu nele “uma possibilidade de negócio” e, no ano passado, propôs sociedade à blogueira. Afinal, o Brasil vivia há um ano a euforia de crescimento do mercado, uma expansão de 22,5%, três vezes maior que a média mundial. As galerias de arte no Brasil registraram no ano passado um faturamento de R$ 250 milhões.

O mercado de leilões na internet movimentou US$ 870 milhões em 2012. As vendas virtuais cresceram tanto que um alto executivo da Christie’s prevê uma revolução na forma de expor e vender arte daqui para a frente. E a casa de leilões, presente em 32 países, já realizou 40 leilões pela web nos dois últimos anos, vendendo desde obras de emergentes, por US$ 1 mil, a contemporâneos que custam US$ 1 milhão.

A ArtScoop ainda não vende Matisse pela internet como a Christie’s, mas não é pequena a ambição da dupla de sócios formada por Ana Luiza e Rodrigo. Eles convenceram o emergente fotógrafo italiano Giuseppe LoSchiavo, de 27 anos, a ser representado pelo portal no Brasil – ele é uma aposta da Saatchi online, o segmento na web da famosa galeria. Surrealista e assumidamente influenciado por Magritte, LoSchiavo é a estrela de um time de 15 artistas internacionais da ArtScoop, que já ostenta 15 mil acessos por mês.

 

 

Comércio na web ainda é limitado, mas os leilões na internet vendem telas por preços estratosféricos

Uma pesquisa feita este ano pela Hiscox, do Reino Unido, em parceria com a ArtTactic, revelou ser irreversível a tendência internacional de comprar objetos de arte online – 71% dos colecionadores entrevistados responderam que já compraram arte pela web com base numa única imagem. Outro tanto de galerias estrangeiras (72%) já vendeu obras online para novos colecionadores, o que justifica o entusiasmo da dupla que criou o portal ArtScoop em outubro, em São Paulo. Seus fundadores, Ana Luiza Brant e Rodrigo Lopes, não querem “apenas vender, mas apresentar arte” a interessados que não têm um canal de comunicação adequado para conhecer a produção contemporânea.

Os argumentos da dupla são os mesmos dos CEOs das grandes casas de leilões internacionais: qualquer pessoa pode ter acesso em qualquer lugar do mundo à arte contemporânea via internet, mas é preciso ser didático para atrair compradores sem experiência ou informação. “O ArtScoop não é um varejão de arte, mas um portal com conteúdo diferenciado, que permite uma experiência interativa com o navegador da internet”, define Rodrigo Lopes, que foi “iniciado” no mundo das artes pelo blog mantido por Ana Luiza.

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Com três programadores, um curador, um designer e dois sócios, o ArtScoop começou timidamente a vender obras de artistas ainda não muito conhecidos, mas projeta um faturamento de R$ 500 mil no primeiro ano de funcionamento. A possibilidade de aparecer para muita gente a um custo pequeno atraiu artistas para o portal, segundo a dupla de sócios, que já computa 700 textos sobre arte no ArtScoop, apresentando dados sobre jovens artistas novos como o grafiteiro Vitor Rollin, de 23 anos, cujos preços oscilam entre R$ 2 mil e R$ 3 mil, além de veteranos como o pop americano Andy Warhol, acessível a uma camada de compradores que não se importa em ter uma gravura do artista de tiragem ilimitada desde que a preço baixo.

É o caso, por exemplo, do skateboard deck com a imagem icônica de Jackie Onassis por Warhol que o comprador vai encontrar por R$ 780. Ou da fotografia da série Levitation (R$ 3.900), do italiano Giuseppe LoSchiavo, foto maior que ilustra esta página e representa a torre Eiffel sobre uma rocha flutuante – imagem surrealista que é substituída em outras fotos da série por pontos turísticos do globo igualmente populares, entre eles a Acrópole de Atenas. LoSchiavo não é o mais caro da lista. O mapa dos EUA feito em placas de alumínio pelo artista Kiko Maldonaldo é vendido a R$ 6.980, mas é possível comprar pequenos múltiplos de Eduardo Srur, o artista que, em 2009, encheu o Tietê com gigantescas garrafas de refrigerante, por R$ 600.

Não é, como se vê, um negócio milionário como os leilões da Christie’s, que vendeu uma tela do norte-americano Edward Hopper por quase US$ 10 milhões a um colecionador (que só viu a pintura pelo computador), mas o negócio da ArtScoop prospera, apostando no comprador jovem que não tem dinheiro para adquirir um Hopper, mas pode quebrar o porquinho da poupança para comprar um mapa de Nova York ilustrado por Bianca Green por modestos R$ 180.

O perfil dos compradores do portal aponta jovens acima de 25 anos com forte interesse pela ilustração e fotografia. No portal também são negociados livros de arte e brevemente o usuário poderá fazer cursos online. “Nosso projeto não vê os outros como concorrentes, mas parceiros, pois as galerias podem usar nossa plataforma para expor seus acervos.”

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A parte pedagógica do ArtScoop deve crescer com visitas guiadas às exposições em cartaz, tours virtuais pelos museus estrangeiros e novas rotas culturais. “Temos um segmento dedicado à informação (Art News), outro que promove visitas virtuais a ateliês e galerias (Art Tour), além do comercial (Art Shop), mas o portal quer ser fundamentalmente uma fonte de informação para quem gosta de arte”, conclui Ana Luiza.

Leis do comércio ditam hoje a criação artística

A indústria cultural pilota hoje a criação artística, do começo ao fim, afirma o professor da Sorbonne e economista Xavier Greffe num livro fundamental sobre o nascimento e a evolução do comércio artístico no mundo, Arte e Mercado, lançado pela Editora Iluminuras em parceria com o Observatório Itaú Cultural, do qual Greffe foi docente convidado para o curso de especialização em gestão e política cultural.

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O livro Arte e Mercado mostra a ascensão paralela da invenção da arte e da economia de mercado, analisando, entre outros temas, a mudança da relação entre artistas e aristocratas durante o Renascimento, quando os pintores começaram a impor suas escolhas aos nobres que encomendavam obras de arte. El Greco aprendeu com os italianos e foi um dos primeiros a reivindicar uma condição diferente do artesão, pedindo quatro vezes o preço imaginado por quem encomendava suas pinturas. Gerir a própria obra era, então, um fenômeno incomum na Espanha dos maneiristas. O pintores demoravam meses e até anos para receber por seu trabalho, quando não eram obrigados a vender suas pinturas em feiras, como o barroco Murillo.

Na França, a situação era ainda pior: os franceses levavam uma desvantagem enorme, pois ainda eram considerados artesãos, como os douradores e vidreiros. Imaginar que na Itália renascentista um artista podia até cobrar mais caro se a tela exigisse uma quantidade de pigmento azul (importado) acima do usual deixava os franceses humilhados. Eles ainda teriam de passar, no futuro, pelo crivo da Academia do Louvre, no século 18, que ditava o que era ou não arte (normalmente decidindo essa escolha com base na pintura histórica).

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Greffe destaca o papel na modernidade da criação de coletivos que trabalhavam dentro de um mesmo estilo como um fator de fortalecimento da autonomia dos artistas, citando, por exemplo, o caso do grupo expressionista Die Brücke, que organizava exposições e publicava revistas para levar os críticos a aceitar novas referências. O autor, citando outro estudioso do mercado, estabelece quatro fases que levam um artista ao reconhecimento: a legitimação dos amigos e críticos, a exposição em locais alternativos, a entrada em boas galerias particulares e, finalmente, o assédio de colecionadores, estimulados pelos galeristas.

A legitimação de um artista pelo mercado é exemplificada por Greffe tomando por base as articulações do marchand Leo Castelli para promover Rauschenberg e a turma da arte pop americana nos anos 1960, quando os EUA tomaram o lugar da França no mercado mundial de arte, após o fim da guerra. A arte pop, segundo o filósofo Marc Jimenez, realizou o projeto do dadaísta Marcel Duchamp, de adotar técnicas industriais para dar acesso às gerações mais jovens. Greffe considera a explicação de Jimenez “pouco convincente”. Ele prefere o argumento do crítico Arthur Danto, o de que um artista que se julga “relevante” no mundo da arte pode classificar um objeto como arte ou não arte. É o que faz o esperto Jeff Koons, por exemplo.

Se o clero e a nobreza, no passado, encomendavam as obras, hoje são os grandes centros de arte, instituições e indústrias que patrocinam trabalhos especiais desses artistas (como a série Cremaster 4, de Matthew Barney ou Split Rocker, de Jeff Koons), levando à triangulação artista/marchand/colecionador que comanda, hoje, a cotação desses criadores nas bolsas e leilões de arte. Isso para não falar de museus como o Guggenheim, que, segundo Greffe, “funciona como uma multinacional qualquer”, mantendo salas apadrinhadas por grandes empresas. O livro trata também da organização do mercado a partir de grandes eventos, especialmente de feiras de repercussão internacional, como a Art Basel ou a Arco Madri.

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