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Por trás de tudo

Uma amiga chegou com a informação de que uma padaria perto da nossa casa pertencia ao reverendo Moon. Demos boas risadas. Por que o sul-coreano Moon, fundador e líder da Igreja da Unificação com fiéis no mundo todo, dono de latifúndios e de um império midiático, se interessaria em ter uma pequena padaria de bairro? Depois, tivemos que pedir desculpa à amiga. Era verdade! Revelou-se que a padaria (que não existe mais) era uma das muitas propriedades do reverendo Moon no Estado.  Teorias conspiratórias e especulações sobre as secretas engrenagens do mundo, que estariam por trás de tudo, de tão repetidas se transformaram em folclore. Há anos se atribui tudo que acontece a maquinações da CIA - ou dos maçons, ou dos templários (mas há tempo não se fala na Comissão Trilateral, lembra?) - e tudo parece fruto mais da imaginação do que de qualquer dedução racional. 

Por Luis Fernando Verissimo
Atualização:

Meu pai tinha um amigo espanhol, anticlerical furioso como só os espanhóis sabem ser, que culpava tudo no papa, até o mau tempo. O papa e correntes invisíveis do Vaticano estariam por trás de tudo. Mas... Há dias o Elio Gaspari publicou documentos oficiais mostrando que a participação da CIA e do governo dos Estados Unidos no golpe de 64 foi maior e mais decisiva do que se pensava. Não era paranoia, os americanos não só colaboraram na desestabilização do governo Goulart como estavam prontos a intervir caso o golpe fracassasse. O improvável, neste caso, está provado. O reverendo Moon era mesmo dono da padaria.

A pesquisadora e professora Maria Girardello Gatti, de Santa Catarina, fez um estudo sobre as relações de Estados Unidos e Brasil durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria, concentrando-se no meu pai, Erico Verissimo, que, dentro da política da boa vizinhança entre os dois países, foi convidado pelo Departamento de Estado americano a dar um curso sobre literatura brasileira na Universidade da Califórnia, primeiro no câmpus de São Francisco, depois em Berkley. Passamos dois anos na Califórnia. A professora Gatti teve acesso a documentos do Dops e do FBI, do período, e descobrimos que o convite ao meu pai desencadeou uma intensa troca de correspondência entre informantes da polícia política brasileira e analistas do FBI, que queriam saber se meu pai era comunista ou não, já que no seu livro O Resto É Silêncio um personagem se revela um anti-americano radical. A papelada liberada inclui até um memorando sobre o assunto do próprio J. Edgar Hoover, diretor do FBI, para Nelson Rockefeller, na época supervisor do programa de boa vizinhança com a América Latina. Hoover sugere que o convidado seja rigorosamente interrogado ao chegar aos Estados Unidos. E fica a fascinante sugestão de que, para se informar sobre a posição política do autor, Hoover tenha lido todo O Resto É Silêncio

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