Por enquanto é isso, pessoal

Chuck Jones, o desenhista que criou a Turma do Pernalonga, morreu na semana passada, aos 89 anos. Durante seis décadas ele encantou espectadores na TV e no cinema

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

Pernalonga chegou saltitante à igreja. Abriu a porta, viu que não havia mais ninguém e, cantarolando, sentou-se em um lugar próximo do altar. Quando começou a roer a cenoura que havia levado para fazer um pequeno lanche durante a missa em homenagem a Chuck Jones, o criador do Looney Tunes morto na semana passada, ouviu um barulho fortíssimo - mais para ´cabrum´ do que para um singelo ´crec´ - e ficou olhando para o altar destruído e para as penas pretas que flutuavam na igreja. "Pensssou que sssseria o primeiro a chegar, sssseu coelho perdedor?", gritava o Patolino. "Poisss eu, o perssssonagem favorito do Chuck, cheguei muito antessss." O pato de língua presa e o coelho de língua solta só não continuaram discutindo, como fazem todos os dias na TV, porque Horletino Tloca-Lertas, quer dizer, Hortelino Troca-Letras, saiu de seu esconderijo e começou a atirar nos dois, como, aliás, também faz diariamente nos desenhos animados da turma do Pernalonga. Chuck Jones merece toda essa homenagem porque dedicou 60 anos de sua vida - morreu com 89, de problemas cardíacos - aos desenhos animados e certamente não se importaria com a bagunça da turma em sua própria missa. Mas, por enquanto, não precisa se preocupar com o assunto, porque a família informa, no site do artista, que o memorial ainda não tem data marcada. Até lá, portanto, coelhos, patos, porcos, gambás e coiotes podem continuar suas atividades normais na TV. Lembrado sempre como pai do Pernalonga e do Patolino, Chuck era, na verdade, padastro dos dois. Produziu e dirigiu alguns dos primeiros filmes desses astros, aperfeiçoou seus traços e deu-lhes a irreverência que exibem até hoje nas telas. Foi ele quem inventou o bordão ´O que é que há, velhinho?´, repetido insistentemente por Pernalonga. Mas os personagens já haviam sido criados no estúdio de Leon Schlesinger, onde passou a trabalhar em 1936. O estúdio foi vendido para a Warner em 1994, onde ficou até 1962, quando o departamento de animação foi fechado. Seis outros filhos, esses sim legítimos, foram criados na nova casa: Papa-Léguas, o Coiote e Pepe Le Gambá. Embora não tenha alcançado a fama de Walt Disney, que acaba de ter o centenário de seu nascimento comemorado, Chuck Jones divide com o pai do Mickey Mouse a sala vip do hall da fama do desenho animado. Se Disney impulsionou a arte da animação com ´Fantasia´, foi Chuck, nascido Charles Jones, em 1912, no estado de Washington, quem a transformou, ao assumir que os desenhos animados também poderiam provocar gargalhadas nos espectadores, em vez de apenas encantá-los com a fantasia. "Walt Disney foi o desenhista que me ensinou a voar nos meus sonhos, mas Chuck Jones foi quem me fez rir deles", escreveu o cineasta Steven Spielberg no prefácio de ´Chuck Amuck´, autobiografia de Jones, lançada em 1989. Chuck, de fato, era um comediante que sabia não apenas contar uma piada na tela, mas contar no tempo certo, com pausas cronometradas - e eram 24 quadros por segundo - para incluir as viradas que surpreendiam o espectador. Mas seu começo foi justamente nos estúdios Disney, lavando as folhas de acetato usadas na animação. (Ele dizia que não, que o início havia sido na sala de casa, desenhando Johnson, o gato de sua mãe, nos papéis timbrados das empresas que seu pai abria e que sempre iam à falência.) Não tinha TV até os 46 anos Depois, passou a colorir os desenhos, animá-los e, por fim, a dirigi-los. Quando virou o famoso Chuck Jones já estava na Warner Brothers, acompanhado de Friz Freleng e Tex Avery, outras figurinhas fáceis na abertura e no encerramento de muitas atrações do Cartoon Network. Jack Warner achava que eles faziam o Mickey Mouse e o trio nem sequer pensou em desmentir o patrão. Para quem não tinha TV em casa até os 46 anos, seus sucesso nas telas é ainda mais impressionante. Ganhou três Oscars, um deles pelo desenho "Que Ópera, Velhinho?", um curta-metragem animado que condensava as 14 horas do ´Anel dos Nibelungos´, do compositor alemão Richard Wagner. Os originais foram expostos em 250 museus ao redor do mundo e são vendidos a peso de ouro - ou de cenoura, dependendo dos valores de cada um. Mesmo assinando cada desenho, sua autoria chegou a ser contestada por uma criança que dizia que Chuck não desenhava o Pernalonga, "mas quadros com a presença do Pernalonga". Com tantos anos de travessuras na TV e nos cinemas, o coelho acabou ganhando mesmo vida própria. Quando recebeu um de seus Oscars, Chuck foi obrigado a ouvir de uma mulher que não entendia por que ele escrevia roteiros para o Pernalonga, se "ele já era engraçado o suficiente daquele jeito". Chuck não escrevia mesmo os roteiros. Deixava isso para seus parceiros Tedd Pierce e Mike Maltese. Mas eles não eram escritos com palavras, frases e parágrafos. Primeiro, eram apresentados em uma reunião da Warner, onde ninguém podia dizer ´não´ para a proposta. Só podiam dar colaborações. Se elas fossem poucas, ficava claro que a história não viraria um desenho animado. Quando aprovadas, aí sim, seguiam para o roteiro: um trabalho feito em desenhos, com efeito ´flip´, como aqueles que as crianças fazem na escola em seus cadernos. O artista viveu do desenho durante seis décadas. Mas, agora que morreu, podemos dizer: foram os personagens que desenharam a vida de Chuck Jones.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.