Poetas dizem lutar muito por uma dicção própria

Paulo Henriques Britto, Alcides Villaça e Augusto Massi, à sombra de Drummond, Cabral, Bandeira... E Affonso Romano de Sant´Anna contando sobre sua carreira

PUBLICIDADE

Por Agencia Estado
Atualização:

A sensação de ter chegado tarde demais - eis um temor que atemoriza e às vezes até intimida demais alguns poetas ao descobrirem que aparentemente tudo o que é considerado de qualidade já foi criado. Esse foi um dos temas debatido pelos poetas Paulo Henriques Britto, Alcides Villaça e Augusto Massi, na última mesa do sábado do Festival de Poesia de Goyaz. "Gosto de lembrar de um comentário do crítico Harold Bloom sobre a luta do jovem poeta contra antecessores esmagadores", comentou Britto. "No meu caso, vivendo no Rio de Janeiro, enfrentei verdadeiros monstros sagrados como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto. É uma experiência paralisante, pois no meio de sua produção, chega-se à triste conclusão de que aquele verso já foi dito por algum deles." O mesmo dilema incomodou Augusto Massi, que sentiu o efeito pesado da sombra de Drummond. "É uma luta para descobrir a dicção própria e o artista é obrigado a se questionar: como abrir espaço para uma série nova, contemporânea?" Torna-se, portanto, necessário expurgar o pai, como comentou Villaça, que apontou ainda o sentido positivo da crítica em determinados casos. Ele lembrou o início de Manuel Bandeira, cujos primeiros versos ainda soavam um tanto pálidos e carregados de romantismo. "Foi preciso um crítico apresentar, de forma elegante, qual o melhor caminho ele deveria tomar." Por forma elegante, entenda-se a reprodução de versos de Bandeira, mas não na íntegra e sim já enxugados das palavras que o crítico considerava desnecessárias. "Inteligente, Bandeira não sentiu que sua obra fora mutilada, mas que o crítico lhe dizia como ele deveria proceder dali para frente." Na mesa anterior, Affonso Romano de Sant´Anna fez um balanço de sua carreira, que ultrapassa os 40 anos. Para uma platéia embevecida (havia até quatro estudantes que vieram de Araraquara, de carro, apenas para ouvi-lo), o poeta lembrou que começou aos 16 anos, escrevendo para jornais. Na mesma época, sentindo o mesmo peso das sombras dos poetas consagrados, decidiu procurá-los em troca de conselhos. "Descobri que deveria ser alguém que não se deixa seduzir por estilos ou grupos literários, mas que tenha o esforço para encontrar minha própria linguagem, meu ritmo, minha voz, meu tom." Ao longo da carreira, Sant´Anna conviveu com diversas escolas de poesia, desde os pós-modernistas de 1945, passando pelos vanguardistas que buscavam retalhar o poder até chegar à poesia marginal. "Ao longo desse tempo, sempre procurei resgatar a tradição oral, revelando a música encantatória da palavra", disse ele que, ao terminar, exibiu a face política de sua poesia, lendo textos sobre temas do cotidiano como homens-bomba. "Na verdade, minha carreira é construída por livros que projetam no seguinte o que está sendo elaborado."

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.