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Pinel abre as portas e expõe a arte dos internos

Por Agencia Estado
Atualização:

Neste sábado uma exposição diferente vai acontecer em São Paulo. O Hospital Psiquiátrico Pinel em Pirituba vai abrir suas portas para mostrar um pouco da arte produzida pelos seus internos. São pinturas, peças de papel marché, cerâmicas e coreografias criadas nas Oficinas Culturais da Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, que acontecem no hospital desde de outubro deste ano. É um tempo muito curto para um retorno consistente, mas uma oportunidade rara de conhecer o trabalho artístico de um dos mais antigos e conhecidos manicômios do país. A mostra Fina L Mente celebra 71 anos de existência da instituição e pretende ser mais um festa para aumentar a auto-estima dos internos do que uma grande exposição. As Oficinas Culturais são uma parceria da Secretaria Cultura, que paga os profissionais, e da Secretaria de Saúde, que entra com todo o material e cuida dos artistas internos. A arte inconsciente foi muito debatida durante o ano. Na mostra Brasil 500 anos, uma boa área foi destinada às obras de internos de manicômios cariocas como a Colônia Juliano Moreira, onde Arthur Bispo do Rosário produziu a maior parte das suas obras. O acervo cedido pelo Museu Imagens do Inconsciente e Casa das Palmeiras foi um dos sucessos da mostra. No Pinel, a maior atração é a proximidade com o cotidiano dos "loucos", suas reações, gestos e o próprio espaço do Pinel, importante para entender a sua arte, e que pouca gente conhece. Alguns internos não falam. Outros pronunciam apenas palavras aparentemente desconexas. Misturam fantasia e realidade e não deixam saber quem são ou o que os levou ao Pinel. Encontram nas atividades culturais a oportunidade de se expressar e, talvez, se entender. A artista plática Vera Martins é a responsável pela oficina que vai apresentar cerca de 30 telas. "É pouco tempo para falar que houve alguma evolução dos pacientes", explica. "O que aumentou foi a afinidade deles com o material e uma vontade maior de pintar e de participar dos exercícios." Vera pouco sabe sobre o prontuário dos alunos mas já percebe algumas características. O interno Luis Cardoso é um dos que lhe chama mais atenção. Aparenta ter entre 30 e 40 anos e não fala. "O Luís mantém a mesma personalidade de traço em todos os seus trabalhos, está falando de alguma coisa muito verdadeira que é só do universo dele, sem figuras definidas mas sempre com uma mesma estética", conta Vera. Seus desenhos repetem formas que parecem grades, sempre linhas firmes, e não se preocupa com encher toda a tela com a tinta. "São poucas linhas, mas ele viu na pintura uma maneira de se comunicar e tentar ser feliz", acrescenta. Um dos trabalhos mais impressionantes é o do Adilson. Ele passa horas em um mesmo quadro, escolhe cores e formas como se tivesse experiência em pintura. Suas telas lembram as formas de Volpi e mostram muita concentração. "O Adilson é sério, fechado, faz apenas um trabalho por aula e não gosta de falar muito, ele repete as cruzes, por que diz que é muito católico", descreve Vera. Os trabalhos de Monalisa também ficaram famosos no Pinel. Contam que ela teria sido bailarina e que teria visto um assassinato em sua própria casa quando criança. Nada pode ser confirmado, ela foi abandonada no hospital pelos seus parente que mudaram de cidade. Tem entre 28 e 30 anos e diz ter 15. Pintava apenas casas, em um ritmo frenético, depois jogava tinta por cima do desenho e às vezes amassava a tela. Depois começou a pintar apenas rostos, uma série deles, com os traços infantis e bem circulares. "Quando um interno começa a deixar os traços geométricos para fazer círculos, é um bom sinal de evolução", diz Vera. Da sua carreira de bailarina há apenas indícios. Rosana Batistela, que gerencia a oficina de teatro e dança, percebe nela uma grande maturidade de gestos. "Ela fica no canto, quieta e de repente levanta, faz alguns passos clássicos de balé e volta para o estado de letargia", conta Rosana. Com ela os internos vão apresentar coreografias e algumas cenas criadas por eles. "Os loucos têm uma facilidade grande de "entrar" nos personagens mas não dá para montar uma peça pois eles não têm paciência de repetir a mesma cena", conta. Vão apresentar alguns exercícios de improvisação criados pelos internos, como uma cena que mistura a tradição nordestina do bumba-meu-boi com as touradas espanholas. A grande atração é uma coreografia de um Dragão Chinês, inventada pela coordenadora das oficinas Nanci Mollo. "Quando eu trabalho com as oficinas, a minha primeira intenção é produzir um espetáculo interessante para o público", diz ela que é artista plástica e coordena mais 18 oficinas além da que comanda no Pinel. O Dragão foi feito em conjunto com todas as áreas culturais. A cabeça foi preparada nas aulas de papel marché, o corpo foi pintado com a Vera Martins e a dança ensaiada pela Rosana Batistela. "Eles não recebem visitas, foram abandonados pela família, trabalhar a auto-estima deles é mais importante do que a oportunidade de dar vazão a criatividade", acredita Nanci. Este trabalho artístico direcionado pelo "curador" pode parecer interferir demais no resultado, mas Nanci discorda e justifica. Conta que em uma das aulas levou máscaras de estrela e outras formas geométricas para serem pintadas com esponja, sobre as camisetas dos internos, como se fossem carimbos. "Com as máscaras eles conseguiam reproduzir a estrela perfeitamente. Isso deixou a todos muito eufóricos, era a primeira vez que muitos conseguiam fazer uma forma definida. Um deles disse para mim que a mão dele não obedecia, por isso eles criavam apenas pinturas abstratas", narra Nanci Mollo. Segundo ela, os internos têm a sua maior realização quando conseguem reproduzir as fórmulas simples e não quando fazem imagens inconscientes. "Enquanto a gente fica sempre divagando sobre as interpretações das imagens abstratas do inconsciente, a única coisa que eles querem é ter consciência da sua arte."

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