Pinacoteca de SP mostra esculturas de Nino

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Por Agencia Estado
Atualização:

Firme em sua intenção de abrir espaço para a arte popular numa das mais importantes instituições culturais da cidade, voltada às expressões da dita arte culta, a Pinacoteca do Estado realiza a primeira exposição individual de um dos mais expressivos escultores do Ceará, o octagenário João Cosmo Félix, conhecido desde sempre como Nino. Reunindo cerca de 60 peças em madeira, cedidas por coleções públicas do Ceará e outros colecionadores particulares, como o próprio diretor da Pinacoteca, Emanuel Araújo, a mostra intitula-se O Essencial em Estado Bruto e tem por objetivo mostrar o caráter extremamente enxuto e pessoal do escultor. Como afirma a curadora da mostra, Dodora Guimarães, que há vários anos acompanha de perto o trabalho de Nino, sua obra ultrapassa o conceito de arte popular ao desenvolver naturalmente, sem nenhuma intenção pré-definida, uma escultura extremamente autoral e de uma simplicidade quase brancusiana, que não parte de outras matrizes e referências além de seu imaginário pessoal. Filho de Juazeiro do Norte, cidade extremamente particular quer por sua localização geográfica quer por sua importância religiosa - afinal, trata-se da cidade de padre Cícero -, que é uma espécie de ponto de cruzamento de toda a cultura nordestina, ele é fruto dessa cultura mestiça, formada por nordestinos de todas as origens. Mas ao mesmo tempo conseguiu preservar-se à margem do profundo misticismo que marca essa "cultura pulsante, fundamentada nesse encantamento e onde as tradições são vivenciadas e constantemente realizadas". Esse rico substrato cultural alimenta a obra de Nino, mas não o comanda. É possível sentir em sua obra a presença da cultura indígena - que segundo a curadora está submersa, mas viva na região - e um diálogo com o imaginário africano. Mas cada uma de suas peças é como uma espécie de fábula que o escultor conta para si mesmo. Desde pequeno, o menino solitário, muito ligado ao pai, fazia os próprios brinquedos. Chegou a trabalhar na agricultura, mas logo passou a vender brinquedos de lata e madeira na feira. Sua primeira obra nasceu na década de 50, com os macacos em madeira com rabo de corda, que apelidou de 17 (número do jogo do bicho) e que passou a vender de porta em porta. Daí passou para as grandes toras de madeira, que esculpe até hoje, entalhando a madeira até encontrar a forma que ali estava escondida. O desenho é feito ainda sobre o tronco bruto, como se de cara o escultor já soubesse o que pretende contar. Seu repertório de imagens é bastante restrito. Estão sempre presentes o macaco - uma de suas figuras preferidas -, a onça, o urso e a figura humana (muitas vezes simbolizada na figura do caçador). Apesar da avançada idade - e da vista que fraqueja - continua com sua produção restrita, vagarosa, que não se abalou pelo sucesso que obtém desde a década de 70 entre colecionadores e pesquisadores. Com orgulho, ele diz que jamais mudou suas peças para agradar a clientela. A importância que sua assinatura assume no conjunto da peça (por ser analfabeto, ele aprendeu a fazer seu nome desenhando cinco pauzinhos, cortando os dois primeiros e os dois últimos e arrematando com uma rodinha no final) é outro indício da profunda coerência e integridade de sua obra. Como diz Dodora apesar de não ter a intenção (que muitos consideram equivocadamente como um indício necessário para que se considere obra de arte uma determinada expressão artesanal), "a obra de Nino é uma encantadora manifestação da naturalidade, do gesto criador do homem". Nino. De terça a domingo, das 10 às 17 horas. Pinacoteca do Estado. Praça da Luz, 2, tel. 229-9844. Até 10/10.

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