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Pina Bausch estréia coreografia inspirada no Brasil

Uma das maiores coreógrafas contemporâneas do mundo mostrou na Alemanha a obra, ainda sem título, que ela criou a partir de pesquisa em São Paulo e Salvador

Por Agencia Estado
Atualização:

A nova criação de Pina Bausch, que tem como tema o Brasil, estreou no sábado, no Teatro Municipal da cidade, para uma platéia lotada e calorosa. Ainda sem nome, a coreografia apareceu no programa apenas com aquela tradicional rubrica com a qual ela etiqueta algumas produções: "Um trabalho de Pina Bausch." Aliás, até o programa teve duas versões diferentes, apontando para o estado de abertura em que ainda se encontra essa produção. Segundo declarou Pina ao Estado, em entrevista exclusiva, depois do espetáculo, ainda não houve tempo para decidir. "Tudo tem mudado tanto nesse trabalho, nos últimos ensaios, que quando começo a pensar numa direção, de repente, tudo se esvai e aquilo que me conduzia para uma escolha não está mais lá, simplesmente desapareceu depois das modificações daquele dia." A brasileira Regina Advento, que tem três solos nessa obra, confirma: "Eu cantava uma música do Caetano no fundo do palco com outra bailarina e ontem Pina decidiu que eu cantaria sozinha, bem na frente do palco, uma outra canção, do Caymmi, e assim tem sido, a ponto de nós, os bailarinos, não termos mais idéia de como está a peça como um todo." O espetáculo dura três horas com um intervalo. Como se sabe, Pina não despreza o intervalo e geralmente propõe algo para marcar esse espaço. Desta vez, os bailarinos trazem os sofás brancos que estavam no fundo do palco para o proscênio, repetindo a mesma distribuição em semicírculo, ficam um pouco largados em cima deles, em clima de fim de festa; um casal continua dançando no fundo, até que uma das bailarinas anuncia: "É a pausa." Como ninguém sai do palco, a música continua tocando e não há luz de serviço, a platéia demora a acreditar e, muito timidamente, um ou outro começa a levantar para sair. No palco, também muito suavemente, os bailarinos vão saindo do sofá, mas o casal do fundo fica dançando, para uma platéia agora quase deserta, até a música acabar. Há alguns achados preciosos, mas o principal é entender que quando Pina Bausch cria fazendo das cidades os seus temas, nunca se interessa por geografias. Na verdade, jamais fez produções sobre as cidades que deram nome a elas. Desde sempre, seu foco são as pessoas - basta conferir no que já produziu sobre Roma, Palermo, Viena, Lisboa, etc. Assim, também nessa obra sobre o Brasil, ela busca falar dos brasileiros que viu, encontrou e observou pelos lugares onde esteve (São Paulo e Salvador). E, evidentemente, encontra similitudes que explodem os limites regionais, ao mesmo tempo que não perde de vista algumas contingências bem locais. Faz preciosas releituras da lata d´água na cabeça, do peão de obra e sua escada, do nosso cumprimento com dois beijinhos, do cafezinho, do "tim-tim" do brinde brasileiro, da rede, da mãe batendo no filho, da praia, das vitrines - há uma coleção delas, todos muito bem trabalhadas. A nova obra se caracteriza pelos excessos. Todo o tempo, muito verde, muita mata, arbusto, árvore, palmeira, e também água, mas em proporção bem menor, mas provavelmente a superabundância da Amazônia (presente nas projeções) deve ter impressionado o olhar estrangeiro. Ao mesmo tempo, não há perigosos clichês de violência ou pobreza. Nem requebros. A busca de incorporação dos jeitinhos soltos assoma aqui e ali e, sempre que isso ocorre, indica uma fonte ainda pouco trabalhada nessa obra. Até a estréia no Brasil, prevista para 30 de agosto, no Teatro Alfa, em São Paulo, com possibilidade de apresentação também em Salvador ou Rio de Janeiro (ainda não decidida), esse novo trabalho ainda deve mudar. "Nestes últimos tempos me mantive totalmente concentrada no modo de estruturá-lo e ainda não esgotei essa necessidade", conta ela, no Ada, um misto de restaurante e centro cultural para onde um pequeno grupo foi, depois da recepção dada a seus convidados no próprio teatro. Um festival em outubro - Pina Bausch e sua equipe planejam um festival para outubro, mês de aniversário do Wuppertal Tanztheater. "Queremos manter o espírito de suas obras, que reúnem sempre tantas coisas diferentes", explica a responsável pela produção do projeto, Francesca. A companhia encenará cinco peças de Pina, algumas das quais há muito não são apresentadas: Os Sete Pecados Capitais, O Dido, 1980, Komm Tanz mit mir. A programação contará com Saburo Teshigawara, o solo que Joseph Nadj está preparando para Dominique Bercy, o mais antigo dos bailarinos da companhia ainda em atividade, mais o Balé Nacional da Coréia, Robin Orlin, os Dervixes, Eun Ahn, Caetano Veloso, uma noite de tango e outra noite espanhola.

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