PUBLICIDADE

Piccolo de Milão faz rir com seu "Arlequim"

Décima versão do Piccolo Teatro de Milão para a peça de Goldoni terá apenas duas apresentações no Teatro Alfa

Por Agencia Estado
Atualização:

Esta quinta-feira, sem dúvida, será especial para os amantes do bom teatro. Duas das mais importantes companhias européias estão em São Paulo. No Sesc Vila Mariana, a trupe de Peter Brook apresenta A Tragédia de Hamlet. No Teatro Alfa, estréia - para apenas duas apresentações - a última montagem de Giorgio Strehler (1921-1997) para a comédia Arlecchino, Servitore di Due Padroni (Arlequim, Servidor de Dois Patrões), de Carlo Goldoni, com o Piccolo Teatro de Milão. Uma incrível coincidência, ainda mais se tratando de duas companhias com agendas internacionais sempre lotadas. A terceira turnê do Piccolo Teatro de Milão ao Brasil - as outras duas ocorreram na década de 50 e em 1989 - começou pelo Rio no fim de semana. A platéia que lotou o Teatro Municipal riu e aplaudiu longa e entusiasticamente o espetáculo, falado em italiano com legendas em português. Não merecia menos. Com essa montagem, Strehler e sua trupe parecem ter descoberto a fórmula perseguida por todos os artistas envolvidos com teatro - alcançar uma representação que a um só tempo aparenta o frescor do improviso e o requinte de um trabalho elaborado com minuciosa precisão. Essa é a décima versão do Piccolo Teatro de Milão para a peça de Goldoni. As duas primeiras tinham cenários criados especialmente por um diretor e cenógrafo que há muito vive no Brasil - Gianni Ratto. "A primeira montagem, de 1947, nasceu a partir de um conceito de redescoberta da Commedia Dell´Arte", lembra Ratto. "Nela, já existia a idéia de um teatro dentro do teatro e do resgate de uma representação fundada na vitalidade dos atores e na simplicidade de recursos técnicos." As seguidas versões foram sendo aperfeiçoadas sem jamais afastarem-se dessa concepção inicial. Amanhã à noite, a primeira coisa que o público verá no palco do Teatro Alfa será uma espécie de pequeno teatro armado no centro do palco. Ao toque do terceiro sinal, um simpático velhinho, enquanto conversa com a platéia - arriscando algumas palavras em português - acende as tochas que devem iluminar a cena. Em seguida, senta-se num banquinho com o texto da peça em mãos - ele faz o papel do "ponto", aquele artista que acompanha a peça sempre pronto a "soprar" as palavras eventualmente esquecidas por um ator. Essa idéia de uma volta à representação ao ar livre e "improvisada" da Commedia Dell´Arte perpassa todo o espetáculo. Cena iluminada, os atores se apresentam numa coreografia característica, antes do início da ´representação´. Vale a pena conhecer as linhas mestras da trama, para ficar livre das legendas e apreciar somente o trabalho dos atores - todos excelentes. Tudo começa com Pantaleão e o Doutor - como todos os outros, personagens típicos da Commedia Dell´Arte, no caso deles dois velhos ridículos, o primeiro com sua barbicha característica, o segundo com sua barriga e verborragia - acertando o casamento de seus filhos Clarice e Silvio. O casamento será realizado graças à morte de Frederico Rasponi, a quem Pantaleão tinha prometido sua filha. Porém, assim que o noivado é acertado, entra Arlequim para anunciar a presença de seu amo, ninguém menos do que Frederico. Na verdade, nem mesmo Arlequim sabe, quem está ali é Beatriz, irmã de Frederico, que resolve assumir a falsa identidade para resgatar a fortuna do irmão, aos cuidados de Napoleão. Beatriz espera ainda, em Veneza, encontrar seu noivo que para ali fugira justamente por ter assassinado Frederico, que se opunha ao casamento. Brighela - dono de um hotel e amigo de Napoleão - reconhece Beatriz, mas guarda o segredo. É no seu hotel que Frederico/Beatriz ficará hospedada. E esta terá de enfrentar o ódio de Clarice e Silvio, que jura matar o homem que ameaça seu casamento. Arlequim - depois de ter flertado com a criada de Napoleão, Esmeraldina - vai para o hotel esperar a chegada de Frederico. Ali encontra justamente Florindo, o amado de Beatriz e acaba oferecendo-se para ser seu criado, mentindo não ter outro patrão. Assim pensa ganhar dois salários e, finalmente, comer mais. Como sempre, está morto de fome. A partir daí, começam suas trapalhadas. Arlequim é responsável pelas cenas de maior humor do espetáculo. Mandado ao correio pelos dois patrões, sem saber ler acaba trocando as cartas. Para não entregar uma carta aberta ao seu patrão, resolve colá-la com miolos de pão. Só que, faminto, engole cada miolo de pão que põe na boca para umedecer. No último, resolve amarrar um barbante, única forma de resistir à própria fome. Impagável ainda a cena em que serve, no hotel, almoço para os dois patrões, em salas separadas. E de admirável precisão acrobática. Pratos voam por trás de biombos e ele os pega no ar em plena corrida de uma sala à outra. O primeiro Arlequim do Piccolo foi interpretado por Mario Moretti. Seu sucessor, Ferrucio Soleri, interpreta o personagem desde 1963. Ao retirar a máscara em sua primeira apresentação no Rio, seus cabelos brancos - ele tem 71 anos - causaram nos espectadores desavisados a mesma admiração de suas peripécias. Qualquer um juraria que o ator protagonista estava na faixa dos 20 anos, tal sua agilidade em cena. "Eu não entendo, quanto mais velho você fica, mais jovem fica seu Arlequim", disse-lhe, certa vez, Strehler. Numa das surras que leva, Arlequim/Soleri faz força para "desentortar´ o próprio corpo e sai de cena caminhando sobre as próprias mãos. Mas não há exibição pela exibição. O espetáculo tem rara sofisticação, camadas e camadas de história do teatro e até mesmo da história de todas as versões do Piccolo podem ser percebidas ali. Sem deixar de ser hilariante para todos os públicos, até mesmo aqueles que não entendem italiano ou nem sequer lêem as legendas. Exatamente como sonhavam seus criadores. Serviço - Arlecchino, Servitore di Due Padroni. De Carlo Goldoni. Direção artística de Vittorio Cerabino. Direção geral de Sérgio Escobar. Duração: 180 minutos (com 2 intervalos de 15 minutos). Quinta e sexta, às 21 horas. De R$ 40,00 a R$ 80,00. Teatro Alfa. Rua Bento Branco de Andrade Filho, 722, São Paulo, tel. 5693-4000

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.