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Pianista regrava "Ponteios" de Camargo Guarnieri

Por Agencia Estado
Atualização:

Em 1979, a EMI Odeon resolveu produzir uma nova gravação dos 50 Ponteios de Camargo Guarnieri, uma opção à versão do início da década de 60 do selo Ricordi, com Isabel Mourão. A pianista escolhida para o projeto foi Laís de Souza Brasil, que desde aquela época passou a ter sua imagem associada diretamente à do compositor. Fora de catálogo há muito tempo, o disco está voltando remasterizado às lojas em uma edição da Funarte. E será lançado amanhã no Centro Cultural São Paulo (CCSP), em um concerto no qual Laís vai interpretar dez ponteios e o Quarteto de Cordas da Cidade vai executar o quarteto Angústia, também de Guarnieri. Divididos em cinco cadernos, cada um com dez peças, os Ponteios são considerados símbolos da inspiração nacionalista de Guarnieri (segundo Ayres de Andrade, em texto que acompanhou a gravação da Ricordi, as peças refletem "a alma musical do povo brasileiro"). São peças pequenas - a mais curta com 30 segundos, a maior com 3 minutos - que, segundo o próprio Guarnieri, podem ser consideradas "prelúdios que têm caráter clara e definitivamente brasileiro". E, segundo Laís, neles Guarnieri mostrou a capacidade de "improvisar sem estar improvisando", utilizando um estilo de composição do qual faz parte, de modo natural, espontâneo, a técnica de improvisação de violeiros do Nordeste ou mesmo do interior de São Paulo. "É interessante lembrar que muitos dos Ponteios foram criados por ele em improvisações em reuniões na casa de amigos, alguns eram gravados mesmo sem que ele soubesse", lembra a pianista. E isso provoca, para Laís, a principal dificuldade com a qual se depara o intérprete dos Ponteios, que seria captar o estado de espírito de cada uma das peças. "Cada ponteio tem uma mensagem bastante característica e a música de Guarnieri está no interior, ele é barroco, o intérprete precisa ir a fundo em seu significado", diz. Para ela, enquanto alguns ponteios revelam mensagens inconscientes da mente de Guarnieri, em outros o compositor buscou fixar por meio da música um momento, um acontecimento específico da vida. "Ele via algo que chamava sua atenção na rua e depois recriava o episódio nessas peças que, de certo modo, são depoimentos dele a respeito da vida." "Quando ele nos contava o que o havia inspirado para compor determinado ponteio, era impressionante, pois tínhamos a sensação, depois, ao tocar, de que não havia como descrever de melhor forma o ocorrido", lembra Laís. E isso porque, segundo ela, as regras da linguagem musical "são mais largas". "Nas mãos de um compositor como Guarnieri, a gramática musical pode ser muito mais profunda que a linguagem da palavra." "Algo meu" - Laís conheceu Guarnieri em um concerto em 1959, no Rio. "Ele assistiu a uma apresentação na qual eu tocava Rachamaninoff e me convidou para tocar a mesma peça em São Paulo, com ele regendo." Após o concerto, em um jantar "na casa de alguém" ele perguntou a ela: "Você sabe tocar algo meu?" Laís sentou-se ao piano e tocou a Dança Negra. "Ele gostou muito porque eu toquei no tempo indicado por ele e não mais rápido, como era de costume naquela época." Desde então, o contato entre os dois tornou-se cada vez maior. "Ao final de cada ano, ele ligava e me convidava para uma série de concertos, já tinha em mente os repertórios, peças novas que poderiam ser interpretadas." Em 1975, ela estreou o Concerto n.º 4 para Piano e Orquestra do compositor (gravado mais tarde, ao lado do 3.º e do 5.º, com a Orquestra Sinfônica Nacional sob regência do próprio compositor, em edição da Funarte). Dois anos depois, Laís gravava o Concertino para Piano e Orquestra, com a Orquestra Filarmônica de São Paulo dirigida por Simon Blech. Em 1988, com Antonio del Claro, Laís gravou as três sonatas de Guarnieri para violoncelo e piano. E, com a filha do compositor - a violinista Tânia Camargo Guarnieri - ela gravou as 2.ª, 3.ª e 4.ª sonatas para os dois instrumentos (Mixhouse, 1997). Essa ligação com Guarnieri teve, segundo Laís, conseqüências boas e ruins. "Durante muito tempo, só tocava Guarnieri e as pessoas passaram a dizer que era só o que eu podia tocar, mas meu repertório era mais amplo." Brahms, Franck Chopin, Beethoven e Debussy, ressalta ela, são compositores que fizeram parte de seu repertório desde muito cedo e com os quais ela possui uma afinidade que tem a ver com o seu temperamento. Por outro lado, ela reconhece que a colaboração com o compositor fez com que ela pudesse compreender bastante a obra de Guarnieri e seus significados. Mais do que isso, ela afirma que, com a obra dele, compreendeu o que era a música e como ela se colocava diante dela como artista. Uma sensação parecida com a que ela experimentou há alguns meses, quando ouviu novamente a antiga gravação dos Ponteios, para decidir se a reeditaria ou não. "Surpreendi-me com o modo como fazia alguns dos "Ponteios", reencontrei uma intérprete que há muito não via e conheci uma nova, que tinha particularidades na interpretação que eu nunca havia percebido." Laís de Souza Brasil e Quarteto da Cidade de São Paulo. Grátis. Terça, às 20h30. O concerto marca o lançamento do livro O Tempo e a Música, de Flávio Silva, editado pela Funarte e Imprensa Oficial do Estado (672 páginas, R$ 60,00) e do CD 50 Ponteios, da pianista Laís de Souza. Centro Cultural São Paulo - Sala Jardel Filho. Rua Vergueiro, 1.000, tel. 3277-3611.

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